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Como se desenvolve a criação

Quando escrevo, procuro difundir ao máximo as ideias pertinentes à história que está sendo construída. Entretanto, os caminhos se diversificam e aos poucos, percebo que se algum preceito ou ponto de vista está na tentativa de ser disseminado, não passa desta etapa, porque a história segue um rumo quase determinado pelo crescimento ou não dos personagens. Nada de extraordinário, apenas uma reflexão no fazer literatura, que, via de regra, pensamos ter as rédeas do texto nas mãos, mas o conteúdo foge de acordo com a imaginação e criatividade. Na verdade, aí é que se dá a literatura, uma forma diferente de ver o mundo, de representar a realidade e não apenas mostrá-la com precisão jornalística. Às vezes, torna-se necessário a desconstrução do texto para produzirmos o tão falado estranhamento, que pode trazer ao leitor a reflexão do tema que tratamos. No entanto, a coisa deve surgir com naturalidade, sem acomodar muito a história a ponto de torná-la artificial. É preciso saber

A fotografia da vida de Santa - CAP. 18

Nosso folhetim dramático encaminha-se para os últimos capítulos. A seguir o capítulo 18, mas logo, logo chegaremos ao desfecho final. Capítulo 18 As cores estavam esmaecidas. Paredes descascadas, velhas. Quando ele entrou e avistou a cena melancólica sentiu as pernas estremecerem e um rubor estranho percorrer-lhe o rosto. Aquele cheiro de coisa velha, mofada, o ar sofrido que o envolvia. Deu meia volta, pensando em fugir, mas desistiu. Parou na porta, segurando o marco, talvez para evitar afastar-se de vez. Seus olhos estavam perdidos. Não queria ver aquela coisa dissoluta que se transformara a sua casa. A sua vida, o seu passado. Entrou devagar atravessando a sala em direção ao corredor que desembocava numa área que outrora fora verde. Quem sabe, respiraria melhor, ali. Seu coração estava agitado. Suas mãos suavam. Procurou por alguma coisa no quarto. Sim, o quarto, antes de chegar a área. Era o seu quarto. Aproximou-se da cama, deitou-se e ficou olhando para o teto

A redação, a Apollo 11 e o grêmio literário

Eu estava à cata de informações para uma redação, na imaturidade de meus 13 anos. Os acessos eram difíceis, embora houvesse os jornais, a TV, as revistas e principalmente a imaginação. Naquele julho de 69, a Apollo 11 era a primeira missão de sucesso, com Neil Armstrong pisando na lua e surgindo nas telas da TV, numa imagem entrecortada de chuviscos e emoção. Eu elaborara a redação com cuidado, tentando ser o mais verídico possível, sem ser previsível. Naturalmente não possuía esta percepção de previsibilidade, mas por pura intuição, eu tentava ser original, no esforço de transformar o texto num produto bem elaborado. Enveredava sempre que podia, pela imaginação, transportando meu mundo interior fundamentado na fantasia do espaço para o papel, procurando decifrar a perspectiva que possuia no avanço espacial. Aquela nave maravilhosa, desenhando no céu uma centelha de luz, trazendo a nós, terráqueos, uma visão tão próxima da lua, com a certeza de que os astronautas pisavam

O piquenique

Aquela noite seria longa, mas provavelmente eu tenha caído no sono em seguida. A manhã chegou tão rápida que me ocupei de minhas coisas de modo a não perder um detalhe, a não esquecer a bola de vôlei, o estilingue e os guides. A mala era pequena, eu não tinha aquelas mochilas modernas, não, era uma mala esquisita de lona e papelão. Quando levantei, às 6 horas mais ou menos, tudo estava pronto, ou quase pronto à mesa, pois a condução que nos levaria ao passeio sairia às 7:30 horas. Minha mãe se desdobrava em fazer o lanche e mais do que isso, dar os habituais conselhos. Não pega muito sol, te cuida dos lugares perigosos, olha os precipícios, fica sempre atento e não te afasta do grupo, muito menos da professora. Ela será o teu guia. Não precisava de tudo aquilo, mas era de praxe. As horas passavam rápidas, mas a escola ficava apenas quatro quadras de minha casa. Nada que fosse atrasar-me. Eu estava ansioso. Ouvia com uma mão na mala e outra na xícara, atento ao que meu coração
Os dez textos mais acessados no mês de outubro ( 02/10 a 31/10/16) 1º. AS AULAS DE DONA MARINA 2º. O menino e o livro 3º. Webrádio de qualidade, com a melhor programação 4º. Trabalho voluntário no Hospital Psiquiátrico: uma provocação para a vida 5º. A margem oposta 6º. A fotografia da vida de Santa - CAP. 13 7º. Meu pai, a jawa e o Irmão Cassiano 8º. A fotografia da vida de Santa - CAP. 11 9º. A fotografia da vida de Santa - CAP. 9 10º. Alguns aspectos do filme “A pele em que habito” de Pedro Almodóvar Fonte da ilustração: fotografia do poeta e escritor Wilson Rosa da Fonseca.

As mulheres e as redes sociais

Pensando em minhas amigas das redes sociais e em centenas de mulheres que me cercam, surge uma série de sentimentos, em cascata, na tentativa de compreender as mulheres, ou pelo menos as diferenças que nos distinguem. Diriam alguns que me conhecem, que falo de cadeira, visto que moro com duas mulheres (aqui vale esclarecer, uma esposa e uma filha). Na minha família pregressa, o grupo feminino compunha-se de três mulheres, contando com minha mãe. No colégio, entre amigos homens, havia sempre uma amiga confidente, a qual talvez tivesse a faculdade de decifrar outros horizontes, acenando para assuntos literários, culturais e políticos, temas proibitivos aos meninos, entre o jogo de bola e a autoafirmação da adolescência. Na Universidade, nos cursos que ingressei, havia poucos homens. Em Letras, éramos ao cabo do curso, apenas três homens. Na biblioteconomia, bem nesta área, além de haver muitas mulheres na sala de aula, havia a predominância do sexo feminino em todos os setores

A fotografia da vida de Santa - CAP. 16

No capítulo anterior, após o desmaio, Santa não conseguiu comentar com Linda sobre a conversa que tivera, na qual ela havia negado o próprio passado, pois voltou a sentir-se mal. No dia seguinte, porém, estava decidida a fazer alguma coisa, que deixava Linda preocupada. Pedira para falar pessoalmente com o jardineiro, o sobrinho de Linda. A seguir o décimo sexto capítulo de nosso folhetim dramático. Capítulo 17 Ao chegar no gabinete, o jardineiro mostrava-se preocupado por ter sido convocado pela patroa. Sentou-se numa cadeira, sentindo-se desconfortável. Santa, no entanto, parecia muito segura e com uma intenção objetiva. — Bem, Fernando, o que tenho a lhe dizer é bem simples e fácil de resolver. — Eu fiz alguma coisa errada, dona Santa? — Não, você não fez nada errado, não se preocupe. Ao contrário, gostamos muito de seu serviço. — Então, não estou entendendo porque a senhora me chamou aqui. — Por que vocês acham que sempre que são chamados é para serem ad

Loiralice, o Opala vermelho e o futebol

Eu e meu amigo Saulo inauguramos nosso desejo de assistir um grande jogo de futebol. Acostumados com os times pequenos de nossa cidade, assistir Grêmio e Corinthians era uma verdadeira odisseia. Uma marca em nossa carreira de torcedores, que na época, antes das desilusões derradeiras, éramos fanáticos. Saulo era um sujeito estranho. Gente boa, grande amigo, sempre disposto a apoiar em qualquer situação difícil, mas tinha uma conduta peculiar que  chamava à atenção. Eu não conseguia convencê-lo de que as suas atitudes eram inadequadas, pelo menos, pois sempre dava um jeito de dar outro rumo à conversa. Uma de suas extravagâncias, era a mania de interpretar papéis que destoavam de sua rotina. Se participávamos de uma reunião de jovens da igreja, ele demonstrava estar em êxtase, perdido nos trâmites iluminados do divino, ascendo à postura angelical, quase um santo. Mas quando estávamos juntos, toda a encenação se dissolvia e se transformava no jovem de classe média, com

O menino e o livro

O menino punha as mãos nas páginas devagar. Escorregava os dedos e percebia que além do som e do movimento, havia alguma coisa ali que o prendia. O menino sabia que era o conteúdo. Mas como conhecer o que está escrito, sem decifrar os códigos. E quais são os códigos? As letras, os sons, os fonemas. Conhecia pouco de tudo isso: uma sílaba aqui, uma letra dali e formava-se a palavra e de palavra em palavra, descobria o mistério. O menino era sábio. Percebia que tudo é uma coisa só: leitor, leitura, autor, ideias. Tudo vem na mesma viagem. O trem carrega o texto e o texto carrega o trem. Assim a trajetória se forma. O livro é como o trem, matutava o menino, assim repleto de gente, de mercadorias, de cargas que vão de um lugar para o outro. Todos têm importância no caminho. A leitura é isso. Por isso, foi criado o dia nacional do livro, 29 de outubro, quando Portugal disponibilizou grande acervo da Real Biblioteca para a nossa biblioteca, aqui no Brasil. O menino des

A fotografia da vida de Santa - CAP. 15

No capítulo anterior, Santa sente-se isolada da família e até mesmo Linda que a ajudaria, parece empenhada em desestabilizá-la. De repente, Santa percebe que alguma coisa nova está acontecendo, da qual ela não tem o mínimo conhecimento. Linda tenta convencê-la de que está confusa, a ponto de negar tudo que acontecera, inclusive as suas conversas. Por fim, convence Santa a tomar uma xícara de chá que a deixa zonza. A seguir o décimo quinto capítulo de nosso folhetim dramático, neste sábado,29/10/16. Capítulo 15 Santa aos poucos, acorda com a sensação de que levou uma bordoada na cabeça. Não sabe com certeza o que aconteceu, lembra apenas que Linda estava ao seu lado e que teve a sensação de desmaiar. Olhou em torno e tentou levantar-se. Por que estava ali afinal? Se desmaiara, por que Linda não a ajudara? Esforçou-se para sentar na poltrona, sentindo-se um pouco zonza. Lembrava que Linda havia trazido uma xícara de chá. Neste momento, Linda aparecera, mostrando-se ansio

A lanterna

O poeta transmudou a expressão "porque hoje é sábado" em inúmeros sentidos. Como uma lanterna iluminando fraca sob uma mão trêmula, na busca desesperada de algo perdido ou na iminência de acontecer. É assim, iluminando palavras ou desfocando sentidos e certezas, que se constrói o grande mosaico da manipulação. Quem sabe, somos lanternas pálidas para iluminar os focos imprecisos de nossos argumentos, quando nos inteiramos apenas de um lado da informação, do conteúdo ou da sinopse que julgamos como verdades absolutas. Quantas vezes alimentamos a luz desfocada para centralizarmos na fogueira! Uma afirmação modesta pode ser rica de conteúdo se iluminada no contexto certo. Nos sábados, as luzes se encontram, se estabelecem e se recriam. Nos sábados, o mundo para e as vozes emudecem. Nos sábados a alegria é dever e a tristeza apenas fuga melancólica dos amantes. Mas a vida real, por vezes perversa e obscura, nos leva a refletir apenas como lanternas frágeis à possibilid

A fotografia da vida de Santa - CAP. 14

No capítulo anterior, tudo parecia desandar na vida de Sandoval. O seu plano era questionado por Linda, que sabia muito mais do que podia imaginar. Se ela estava disposta a levar o seu próprio plano adiante, ele teria de algum modo tomar uma atitude que a impedisse, mas que ao mesmo tempo, também pudesse livrar-se de Santa. De todo modo, sentia-se perdido, e naquele momento, não sabia o que fazer. A seguir o décimo quarto capítulo de nosso folhetim dramático, nesta terça-feira, 25/10/16 . Capítulo 14 Fonte da ilustração: https://pixabay.com/pt/menina-relógio-pessoa-tempo-1563986/ Linda foi quem atendeu a porta. Ao ver Santa, Sandoval teve um estremecimento, temendo trair-se num gesto inesperado ou até mesmo ficando em silêncio. Linda, ao contrário, parecia muito tranquila e segura. Aproximou-se de Santa, sorrindo e perguntando se havia assistido a missa. — Não, Linda, você sabe que só fui rezar um pouco. Depois andei um pouco pelo bairro, precisava relaxar um pouco.

SOBRE O FILME "UM MESTRE EM MINHA VIDA"

Um mestre em minha vida é um filme de 2011, com 83 minutos de duração, baseado na peça teatral de Athol Fugard chamada “Master Harold and the boys”. Tanto o filme quanto o livro receberam o mesmo título, no Brasil. Vamos falar um pouquinho sobre o autor da peça, um renomado dramaturgo sul-africano, que vivenciou todos os horrores do apartheid e incluiu este tema em muitas de suas peças, inclusive nesta, acenando para a gama de sentimentos que revela o ser humano desnudo em suas percepções da vida. Ao contrário do que se possa deduzir em situações conflitantes, extraordinárias e limites, o homem age de modo natural, capaz de amar e odiar, em que pese às circunstâncias desfavoráveis. Através de um discurso inconfor mado e eivado de lutas de resistência ao apartheid, Athol Fugard tenta refletir as transformações das relações pessoais através do contexto político-social. Afinal, o homem é produto do seu meio e age em conformidade com seus sentimentos arraigados e obsessivos, inter

MAESTRIA DE MATAR

Percorro este corredor repleto de livros e fico me perguntando se valeu à pena. É só por um momento, mas vez que outra me vem esta dúvida. Não sei, agora nos meus 81 anos de idade, pensando no passado, faria tudo de novo, do mesmo modo impensado, ou talvez excessivamente planejado. De qualquer maneira, sinto um vazio imenso, olhando para estas estantes cheias e sentindo o coração apertado, por não saber ao certo, se o que fiz dará frutos verdadeiros. Guardar livros, raspar o tacho das pesquisas, me parece uma coisa divina e ao mesmo tempo perigosa. Às vezes, podemos nos deparar com algum livro, que traga oculto em suas paginas um segredo terrível. Foi o que aconteceu comigo e que me levou a tantos devaneios. Agora, cansado, percorro estes corredores escuros e sinto uma ponta de orgulho, não fossem os fatos acontecidos, o peso da culpa e o medo de ser descoberto no final da vida. E se descobrirem que este amante dos livros, também amante da vida e das mulheres, foi um amant

Meu pai, a jawa e o Irmão Cassiano

Meu pai largou a maleta de ferramentas sobre a mesa, falou rapidamente com minha mãe e convidou-me a sair. Como sabia de nosso destino, segui-o rapidamente. Parecia um pouco irritado, conhecia aquele vinco entre os olhos, como se analisasse detidamente algum documento. Subi na velha Jawa, uma motocicleta dos anos 50, enquanto ele dava a partida no pedal. Seguimos rápidos pela rua Dr. Nascimento e chegamos à escola. Já na portaria, encontramos o Seu Miguel, que nos cumprimentou e foi rapidamente chamar o Irmão Sagres, o orientador da turma. Quando chegou, após os cumprimentos, ele não parecia interessado no assunto de meu pai. Batia uma bola de vôlei, no chão, desatento. Meu pai insistiu no problema, afinal, ele viajaria com a família por duas semanas, era um assunto urgente e não haveria como eu permanecer na cidade. Irmão Sagres acabou informando que não era problema dele, que devia falar com o Diretor. Mas afinal, perguntara meu pai irritado, o senhor não é o regente da tu

A fotografia da vida de Santa - CAP. 13

No capítulo décimo segundo, a família acabou concordando com a proposta de Sandoval de considerar Santa como incapaz, para que ela não conseguisse mexer no patrimônio. No entanto, Sandoval jamais poderia imaginar que Linda gravara toda a conversa e que faria chantagem, a ponto de também impor as suas condições. É o que veremos no capítulo a seguir de nosso folhetim dramático. Boa leitura! Capítulo 13 Linda olha em torno, como se aqueles móveis que há tanto tempo convivera, também fossem seus, de direito. Por fim, responde a pergunta de Sandoval com muita segurança. — Quero que me considere da família, afinal temos um filho juntos. Faço questão que o assuma e repasse a parte da fortuna que lhe cabe de direito. E depois que dona Santa estiver fora do páreo, eu pretendo tomar conta da casa. Nada mais junsto, não acha? E depois, quem sabe um dia não casamos oficialmente? — Você é mesmo uma desvairada! Eu jamais cometeria uma sandice destas! Fique sabendo de uma coisa