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PÁSSARO INCAUTO NA VIDRAÇA - CAPÍTULO XVI

EXCEPCIONALMENTE, HOJE NA QUARTA-FEIRA 02/03/2016, APRESENTAMOS O CAPÍTULO QUE DEVERIA SER PUBLICADO ONTEM. A SEGUIR O 16º DE NOSSSO FOLHETIM. Capítulo 16 Úrsula subia as escadas de mármore ao lado de Susana. Tudo parecia perfeitamente limpo, desinfetado, quase esterilizado. Uma heresia introduzir-se naquele mundo que refletia uma auréola de sanidade e limpeza. Com estes comentários, elas tentavam dissipar as preocupações. Úrsula, pelo encontro inusitado com o irmão, avesso às visitas, aos relacionamentos com a família, à permanência no Brasil. Para ele, o mundo se resumia na Europa, principalmente Paris, descontando, é claro, os países árabes em que fizera fortuna. E para complicar ainda mais o encontro, juntava-se a isso, a descoberta que tinha um amante homem e que resolvera fazer o sepultamento do mesmo no Brasil. E ainda, daquela maneira sofisticada e excêntrica. Realmente, Carlos tinha dinheiro para ser desprezado em artefatos e decorações tão suntuosas. Talvez por is

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XV

HOJE, QUINTA-FEIRA 25/02/2016, SEGUE O NOSSO FOLHETIM RASGADO "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA" COM O 15º CAPÍTULO. NOVAS REVELAÇÕES! Capítulo 15 Desde a última vez que Susana visitara o pai, não conseguia esquecer a sua manifestação, quando de seus poucos momentos de lucidez. Ressoavam em sua cabeça como sinos que dobravam intensos, absurdos, deixando-a aturdida, dividida, atormentada, a ponto de não conseguir trabalhar. Via de regra, inventava desculpas ao amigos ou colegas, na tentativa de dissimular o sofrimento que a atingia. Sabia que o quadro de seu pai não reverteria e a tendência era vê-lo a cada dia, definhando, se transformando num vegetal, um objeto inanimado, quase sem vida. Nas visitas subsequentes, a decadência que se pronunciava, riscando de suas limitações qualquer gesto que justificasse um simples entendimento, uma sensação sequer. Pelo contrário, anteriormente, ele até a observava, mesmo que não a enxergasse como a filha, ou mesmo uma mulher, um ser

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XIV

HOJE, TERÇA-FEIRA 22/02/2016, SEGUE O NOSSO FOLHETIM RASGADO "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA" COM O 14º CAPÍTULO. NOVAS REVELAÇÕES! Capítulo 14 Tenho vontade de dizer para o velho que não estou sozinha, tal como ele, que desapareceu há dias de sua janela, do seu quarto. Será que morreu? Espero que não. É mais um pra minha coleção. Cada dia, um se vai. Quando será a minha vez? Espero que demore bastante, sinto que ainda posso fazer alguma coisa, sinto que posso ajudar Susana. Essa expectativa me dá uma euforia, uma vontade de realizar coisas, um bafejo de vida. Tenho até desejo de tocar piano, como antigamente. Mas já faz tanto tempo, que nem sei se não desaprendi. _Que terá acontecido com Susana? Por que me chamou daquela maneira? Parecia tão desorientada, a coitadinha. _De quem tá falando, vovó? _Ah, não importa. Estou falando sozinha. Que mania vocês tem de chamar de vovó. Eu tenho nome. _Desculpe, não quis ofender. É que conheço a senhora há tanto t

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULOS XII E XIII

HOJE, QUINTA-FEIRA 18/02/2016, SEGUE O NOSSO FOLHETIM RASGADO "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA" COM O 12º E 13º CAPÍTULOS. NOVAS REVELAÇÕES! Capítulo 12 Susana aguarda o elevador em seu andar. Está prestes a entrar, mas é impedida pela voz urgente, quando a porta se abre. A mulher a impede de entrar, praticamente suplicando em falar-lhe. Ela tenta entender o que está acontecendo, sem dar muita importância à situação. Está preocupada com o horário, segurando a bolsa numa mão e uma série de documentos numa pasta azul. Na outra mão, digita no celular, tentando conseguir algum estagiário para o trabalho em campo. Detém, ao ouvir o seu nome. A mulher é magra e alta, cabelo vermelho, curto, aparentando quarenta anos. _Susana? Você é Susana Medeiros? O zelador que subia a escada, antecipa-se ao diálogo, esclarecendo que ela a havia procurado e não pudera impedir. Tentara explicar-lhe que daria o recado, mas a coisa parecia séria. _Não se preocupe, João. Está

A FAINA DA BRASA

Animais dão-se as mãos nas campinas verdes, que se espraiam olhar afora. Vozes que flutuam em zumbidos longínquos Homens se agrupam na prática eufórica. Quando eles chegam de mansinho, deixam os pastos repousar Deitam as arestas de seu sono e dormem em flores sem vicejar. Humanos acendem fogueiras Perpetuam fogos, parecem lutar por vitórias que chegam com os arreios e ferramentas que lá vão provar. No dia da desova das paixões Agitam-se, desesperados na rotina e animais afastam-se, em vão Da brasa que lhes cede a alma ferina. Homens violentam seus bordões Riem, na luta da guerra à vida Gritam, rudes, na faina da brasa A morte que chega, sem saída. Animais caem ao relento Esbaforidos, sedentos e sofridos Olhares perdidos nas vagas madrugadas que anseiam, mas que nada Se sonham, nem sabem decifrar A morte é certa, a berrar na brasa ardente escaldando as carnes O sangue transbordado na terra ferida A morte é certa, a berrar Homens dão as mãos nas c

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO XI

HOJE, TERÇA-FEIRA 16/02/2016, SEGUE O NOSSO FOLHETIM RASGADO "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA" COM O 11º CAPÍTULO . Capítulo 11 Às vezes, penso em escrever um livro. Um livro que contasse a história de minha família, mas ao mesmo tempo em que me acomete esta idéia, sei que não ousarei seguir adiante. Relembrar os meses em que Luisinho ficou em coma naquele hospital é reviver a dor em toda a sua intensidade. É proclamar o dia da execução final. Não, não devo mais sofrer, já bastam as lembranças diárias que tenho dele, desses seus últimos momentos. Pudesse voltar os ponteiros do relógio e fazer a minha vida retroceder a um tempo anterior àquele acontecimento. Se pudesse impedir tudo aquele nefasto acidente. Se pudesse argumentar pra mim mesma, que tudo tem um motivo, um fim, uma conseqüência. Mas não consigo acreditar que fosse preciso ele morrer, ele que era tão cheio de vida, de amor ao próximo, de idealismo. Isso não devia acontecer assim, com os velhos. Não devíamos

Arnildo na Mostra de Talentos da Biblioteca do HU

Houve a Mostra de Talentos da Biblioteca, no HU. Eu sugeri o seu nome e ele foi convidado. E entre talentos, havia crônicas, poesias, livros, desenhos, música. Ele então chegou devagarinho como é seu jeito, investigando de soslaio o cenário meio caótico. Além das exposições, das visitas e conversas animadas, chegara o momento musical constituído por um grupo de colegas que ousara desafiar os tímpanos e cordas vocais, num emaranhado de sons, ritmos e gêneros. Era um samba do criolo doido. Muito bom, de acordo com a euforia geral que até ensaiou uns passos de dança, nos quais, diga-se de passagem, me incluí. De todo modo, percebi a sua presença, talvez um tanto apreensiva, o que corroborou com minha percepção, pois confessara mais tarde. Afinal, no meio daquela algazarra musical, onde todos cantavam em altos brados e a plateia participava em uníssono, seria de bom tom as suas baladas mais lentas, mais reflexivas e o seu conteúdo pensante? Talvez se perguntasse, vou dar uma de Caetano V

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO X

HOJE, QUINTA-FEIRA 11/02/2016, CONTINUAMOS O NOSSO FOLHETIM "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA" COM O 10º CAPÍTULO. Capítulo 10 Cruzes! Então o velho não se aguenta sozinho, precisa de alguém pra fazer a higiene. Também pudera, aquela mania de falar sozinho em plena janela do apartamento, olhando para a rua, deve ser fraqueza mental. Os neurônios não se coadunam. Pobre diabo! Depois de saber disso, me dá até dó, afinal é um homem doente e tudo que diz talvez não passe de simples imaginação. Coisa da cabeça dele. Esta vida é muito triste para velhos como ele. E como eu, também. Não fosse você, Rita, eu já teria enlouquecido nesta casa, sozinha. Quando Carmem enviuvou ainda me visitou algumas vezes, embora mais preocupada com a casa do que comigo, revirando o passado, criticando o Jaime, censurando até meus pensamentos. A filha que estava no exterior, de feminista radical se transformou em mulher de milionário e esqueceu todas as ideias avançadas que tinha na época. Carmem,

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO IX

HOJE, TERÇA-FEIRA 09/02/2016, CONTINUAMOS O NOSSO FOLHETIM "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA" COM O 9º CAPÍTULO . Capítulo 9 Susana temia demonstrar o caos que estava sua mente e em seu coração. Quantas vezes viera à clínica, quantas vezes entrara naquele quarto de reflexos nas paredes, um quarto despido de vida, de sensibilidade, de sensações. Um quarto nu. Entrou devagar, passos imprecisos, falseando o salto, como se obstáculos ocultos a impedissem de avançar, de se aproximar do homem que vivia distante, alienado, transbordando de dor e mágoa, ou apenas inerte, como uma poça dágua inatingível, escondida sob o alpendre, se deteriorando dia a dia. Estava lá, na cadeira isolada na sala branca, de sombras esparsas na parede, como se o sol de vez em quando aparecesse entre as nuvens e produzisse figuras que passeavam indiscretas, incontestes sem qualquer censura. Figuras que não significavam nada, apenas a solidão, a apatia, o desapego dos vivos. Ele a olhou co

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO VIII

Capítulo 8 HOJE, QUINTA-FEIRA 04/02/2016, CONTINUAMOS O NOSSO FOLHETIM "PÁSSARO INCAUTO NA JANELA" COM O 8º CAPÍTULO. –Cruz credo! A senhora ta com espírito ruim! Eu nem bem cheguei e a senhora ta me mandando sair. Que aconteceu dona Úrsula? Úrsula abre os olhos, ainda estirada no sofá, sem entender muito bem o que está acontecendo. Dulcina a sua frente, falando sem cessar e uma luz forte invade a sala, ferindo a retina. Um olhar apalermado de quem não teve uma boa noite de sono. –Tá com cara de quem tava na gandaia. Parece que passou a noite de porre! –Me respeita, Dulcina. Não seja atrevida. – Desculpa, dona Úrsula, mas me diga uma coisa, a senhora dormiu? – Não sei, acho que dormi. Agora dei pra dormir, não sei se fico feliz ou assustada. Eu, que não saía da minha janela, que passava a noite vendo o céu escurecer e clarear, agora, fico dormindo no sofá. Será que você não me deu nada pra dormir? –Ei, me tira dessa jogada. Não me mete em fria

PÁSSARO INCAUTO NA JANELA - CAPÍTULO VII

HOJE, TERÇA-FEIRA, DIA 2 DE FEVEREIRO, RETOMAMOS A PUBLICAÇÃO DO NOSSO FOLHETIM. A SEGUIR, O CAPÍTULO 7. Capítulo 7 Carmem chegou de mansinho, pisando macio no piso encerado. Usava saltos médios, num sapato preto, fechado, assim como todo o vestuário. Um conjunto preto, de saia e blusa, acompanhado do casaco que a deixava mais magra do que o habitual. O rosto pálido, lábios sem cor e olhos fundos e grandes, num castanho escuro que parecia fixar-se apenas por segundos, sem focalizar bem o que devia ver. Cumprimentou friamente Úrsula, percebendo o nervosismo da irmã, o que inevitavelmente a irritava. Não conseguia disfarçar o mau-humor, ao contrário, esforçava-se em mostrar o desconforto que ora a acometia. Úrsula convidou-a a sentar na poltrona situada em sua frente. Percebeu que a irmã girou o olhar rapidamente em torno, procurando um objeto fora do lugar ou algum resquício de poeira sobre os móveis. Era dada à perfeição, à limpeza extrema, ao cuidado com a organização, à ar