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O DOCE BORDADO AZUL - 15º CAPÍTULO

Todas as terças-feiras e quintas publicarei capítulos em sequência do romance "O doce bordado azul". A seguir o 15º capítulo. Capítulo XV A transformação de Laura Laura agora sentia-se aliviada. A conversa com a filha lhe transmitia a segurança que sentia evadir muitas vezes, como se perdesse o controle sobre seus atos. Mas conversar com Lúcia, impor-lhe suas razões, tinha o poder de retomar aos poucos a segurança, talvez até a autoridade que mantinha sobre a filha, pois esta não conseguia encontrar qualquer falha em seu caráter que pudesse acusá-la. Voltou ao bordado com sofreguidão, experimentando uma criatividade instantânea, uma necessidade de concluir o trabalho com urgência. Sua autoestima estava em alta. Lúcia, ao contrário, continuava desanimada com tudo que acontecera. Ela lhe dera dicas de como mudar a situação adversa, mas não fora ouvida. Pelo menos, por enquanto. Mais dia, menos dia, aos coisas mudariam e ela a obedeceria, pois era a única alternativa vi

A CALÇA COMPRIDA

Lembro-me dele. Chamava-se Camilo, um nome que eu achava estranho. Mas nossa amizade era segura, firme, quase madura. Confidenciávamos sobre tudo o que nos acontecia, falávamos da família, das ideias políticas de nossos pais, das agruras de minha avó, que se limitava a sentir aquela falta de ar absurda, o sorriso complacente e tranquilo de meu avô, o seu olhar sereno e belo. Parecíamos adultos, mas éramos crianças e não passávamos da 5ª. Série. Ele parecia mais velho, era mais forte, mais ágil. Eu franzino, pernas finas, calças curtas, meias até o joelho. Estávamos felizes. Aproximava-se o dia da procissão de Corpus Christi que eu ansiosamente aguardava, não exatamente a procissão, mas a oportunidade que se antecipava de eu usar calças compridas. Minha mãe prometera que usaria neste dia. Naquela época, usar calças compridas significava quase a passagem para a vida adulta, um símbolo de masculidade. Estávamos ficando homens de fato, portando-nos como tal. Minha mãe passou dias

Meu avô : existir é compartilhar

Alimentava-se de nossas pequenas arruaças, brincadeiras inusitadas para quem passara a infância na labuta. Tinha no olhar uma pureza quase infantil, mas cheio de perspicácia, sagacidade e curiosidade por nossas vidas. Corríamos pelas vielas empoeiradas, empurrando aros de bicicleta, equilibrando-os com uma pequena haste de ferro ou arame dobrado, fazendo voltas, escolhendo caminhos próximos aos seus pés, desviando, riscando o solo arenoso. Ou jogávamos bolinhas de gude, desenhando arcos no chão, ou cavando o imba. Noutras vezes, corríamos organizando gangues, constituindo quadros de polícia e ladrão, onde o ladrão, na maioria das vezes era pego e massacrado com centenas de sopapos na cabeça, quase uma instituição, um dogma. Quando havia meninas, uma ou duas, seguíamos o recatado amarelinha, que chamávamos de pula-boneco, sempre vigiado pelo olhar complacente e generoso de sua presença. Em outros momentos, não perdíamos as chance de imitar os reis do ringue, artistas de luta-l

Caminhos traçados

"O homem que deve morrer" era uma novela dos anos setenta. Na abertura, não lembro bem se era dentro do tema musical ou em off, na voz de um locutor, ouvia-se a frase “ando por caminhos que nunca foram abertos”. Tudo induzia ao clima de suspense da história. Aproveito este preâmbulo para deixar-me conduzir pelas memórias infantis que volta e meia surgem e via de regra, produzem uma sensação de boa melancolia. Nesta época, um amigo da escola e eu, tínhamos entre onze ou doze anos e costumávamos pegar um ônibus na volta da escola. Só que eram linhas opostas, enquanto o meu coletivo ia na direção do bairro Cidade Nova, o do meu amigo era no rumo do Santa Teresa. Ao sair do colégio, dirigíamos pela rua 24 de maio até a praça Tamandaré. Atravessávamos as pequenas vielas entre os canteiros, repletos de uma espécie de lírios lilases. Eram flores com muitas folhas verdes e longas, perfazendo o contorno dos canteiros. Enquanto ele se afastava em direção à rua Silva Paes, atrave

Comentários emocionantes sobre a crônica "Refugiados em seus sonhos" publicada em 04/10/15

Fiz questão de transcrever estes comentários sobre a crônica "Refugiados em seus sonhos" publicada em 04/10/15 por representar uma forma de pensamento lúcida e coerente com a triste realidade que o mundo está vivendo. Sei que seus autores se identificaram com o que escrevi e, inclusive, sem falsa modéstia despertei o sentimento de indignidade que aflorou com a reflexão. Não há dúvidas que este sentimento estava latente ou muito bem desperto em suas experiências. Portanto, pensamos de maneira semelhante, pois sabemos o quanto são discriminadas as crianças não somente os refugiados, mas os refugiados de sua pátria, sua família, seu grupo, como tão bem se expressaram. 1. A seguir os comentários que tanto colaboraram com enriquecimento da discussão tão atual e que se desenrola com difícil abrandamento, segundo os informes diários dos refugiados no mundo. "O comentário a seguir é de Fernando A. Freire. É escritor e mora em João Pessoa, na Paraíba: Não estamos dist

A velhinha do riacho

Era assim, baixa, cabelo espichado num coque sugado no topo da cabeça. Tinha aquele jeito amável de ser, mas se a examinássemos com cuidado, veríamos uma sagacidade no olhar, um meio sorriso nos lábios e uma artimanha escondida nas mãos que jamais imaginaríamos. Mas ela era assim, tranquila, doce, solícita e focada nos seus objetivos. Nada a despertava de seus cuidados constantes com o croché, com a linha desobediente arriscando-se entre seus dedos a se tornar mais uma fiel: corregionária da fé. Por certo obedeceria seus gestos ágeis, embora, inseguros e faria os contornos necessários para o desenho. Ela tinha seus caprichos. Tinha consigo que deveria fazer as coisas da melhor maneira possível e se asssim aprendera de geração em geração, era seu dever fazê-lo. Era conservadora nos seus segredos e via de regra, mantinha a tradição. Outra coisa que gostava, era de prosear. E até fumava, meio às escondidas, um cigarro de palha. Tinha uma tosse danada, daquelas que nem alecrim cheir

Países que mais acessaram o meu blog no mês de outubro/2015

Lista por número de acessos Estados Unidos Brasil Rússia Portugal Alemanha França Geórgia Irlanda Espanha Reino Unido Fonte da foto: autor Wilson Fonseca

O DOCE BORDADO AZUL - 14 º CAPÍTULO

Todas as terças-feiras e quintas publicarei capítulos em sequência do romance "O doce bordado azul". A seguir o 14º capítulo. Capítulo XIV As alucinações de Laura Abrir os olhos devagar, sentir o corpo debilitado, como se não pudesse levantar-se, sem ânimo para nada, a não ser ficar quieta, em posição fetal. Mas aquela luz que insistia entre as frestas das cortinas não a deixavam esquecer-se do início do dia, ou do fim, não sabia bem distinguir. Quando viu a figura da mãe, à porta do quarto, fechou deliberadamente os olhos. Artifício providencial, imediatamente percebido. Laura perguntou se não se levantaria, as horas passavam, a tarde chegaria logo. Não poderia dormir o dia todo. Lúcia, como uma adolescente em dia de prova, encobriu a cabeça com o lençol, resmungando, exigindo que se afastasse dali, que a deixasse morrer. Mas não era possível, embora Laura saísse do quarto, sem antes informar que logo, logo teriam visitas. Que ameaça terrível significava aquela in

O DOCE BORDADO AZUL - 13º CAPÍTULO

Todas as terças-feiras e quintas publicarei capítulos em sequência do romance "O doce bordado azul". A seguir o 13º capítulo. Capítulo XIII A alma ferida de Laura A alma ferida de Laura Laura espeta o dedo com a agulha e larga o bordado rapidamente sobre a poltrona, chupando o sangue, evitando sujar o tecido. Está ansiosa, os dedos imprecisos, a mente conturbada. Embora já seja tão tarde, não consegue levantar da poltrona e dirigir-se à cama. Na rua, avista apenas sombras que se movem pela calçada, pessoas que passam rápidas, voltando para as suas casas, temerosas de assaltos, mãos nos bolsos, noite fria, vento forte, poeiras que voltam e rodopiam perto da janela, iluminadas à luz dos postes. Tudo o que Lúcia lhe contou, deixou-a humilhada, como se ela fosse a protagonista da história. Como a tinham atingido assim, tão rudemente, como se estivesse num tribunal da santa inquisição. Odiava aquela gente. Odiava aquelas freiras. Odiava aquele círculo fechado, um

O DOCE BORDADO AZUL - CAPÍTULO 12º

Todas as terças-feiras e quintas publicarei capítulos em sequência do romance "O doce bordado azul". A seguir o 12º capítulo. Capítulo XII A alma ferida de Lúcia Lúcia sorvia o chá frio. Olhava para Irmã Carlota esperando o desfecho, mas em meio a tantos rodeios, sabia que a coisa estava sendo muito bem costurada e modo a proteger as amigas, principalmente salvar a pele de Irmã Dolores. Não se conteve e perguntou em tom confidencial: – afinal, o que há nesta carta, Irmã Carlota? A freira suspirou breve, entrecortado. Fez um pequenos gesto com o dedo indicador, batendo-o na mesa, como se confirmasse os próprios pensamentos, olhando fixamente a mão sobre a mesa. Depois, puxou-a para perto do peito, e encarou Lúcia com certa frieza. – Esta carta foi atribuída à Irmã Dolores, mas tememos que seja uma farsa. Lúcia surpreendeu-se com aquela declaração, mas não disse nada. Precisava ouvir até o fim, para saber até que ponto estava envolvida. A freira prosseguiu deter

O DOCE BORDADO AZUL - CAPÍTULO 11º

Todas as terças-feiras e quintas publicarei capítulos em sequência do romance "O doce bordado azul". A seguir o 11º capítulo. Capítulo XI Um fato novo, um fato antigo Laura chegava em casa, esperando que a filha já tivesse voltado. Estava agitada aquela tarde, quase noite. Não imaginava o que estava acontecendo naquele encontro. Lúcia sempre fora tão descomedida com as coisas, que certamente não conseguiria se antepor aos desígnios das outras. Perderia todas as oportunidades, como sempre fizera no decorrer de sua vida e ela ficaria sempre por perto, até morrer, para ampará-la e a concertar as coisas insensatas que praticava. Na cristaleira, pegou a garrafa de licor, que refletia no fundo o restante do líquido. Abria com cuidado, esvaziava o conteúdo, fazendo pingar a sobra no copo até as últimas gotas se tornarem um nada. Olhava alucinada para dentro do copo. Via nele coisas estranhas. De repente, o licor ora vermelho ora em tons amarelos, girava no fundo do copo