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Duas sensações jamais serão iguais

Às vezes, pensamos que podemos repetir o passado e viver aqueles momentos que julgamos felizes e únicos. Entretanto, nada pode ser revivido, nada volta. Não voltam os momentos felizes, nem quaisquer lembranças se tornam acontecimentos novamente. O pensador Heráclito dizia que ninguém pode entrar no mesmo rio, pois quando nele se entra, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Seguindo o raciocínio de Heráclito, podemos afirmar que ao mergulharmos na praia, jamais teremos as mesmas partículas de água, os mesmos movimentos, as mesmas marolas. Nem mesmo o ar, os ventos e o calor do sol serão os mesmos. É uma outra praia, um outro mar, um outro rio, um segundo depois de termos entrado. Quando se caminha na areia e retornamos no mesmo espaço, as pegadas nunca mais serão as mesmas. Nem as ondulações da areia, nem os grãos que mascaram os pés, nem o sol que as aquece. Nem os animais visíveis e invisíveis, nem a poeira que se estabelece a nossa passagem, nem a d

A chegada ou a partida?

Todos queriam saber o que tinha acontecido com Norton. Nem ele sabia, mas tinha consigo que devia fazer alguma coisa a respeito. Seu corpo estava trêmulo e pela primeira vez em sua vida, sentiu medo de morrer. Era como se uma espécie de pânico investisse contra o bom senso e temesse um descontrole que impactava os seus pensamentos. Por um momento, imaginou que a balsa afundaria e o céu agora completamente encoberto, desandasse sobre aquela centena de carros que, através dela, atravessavam o canal. Uma nuvem espessa toldava ainda mais sobre sua cabeça. As pessoas saíam dos veículos para apreciarem o vendaval que se aproximava. Pensou que estavam enlouquecendo. Não era hora de passearem pela balsa, ao contrário, deviam se resguardarem dos raios. Pingos grossos começavam a cair e seu coração bateu mais forte. Se aquela maldita balsa ficasse à deriva, com aquela centena de carros e caminhões, perdidos em pleno oceano. Se afundassem, ele subiria no caminhão mais alto e esperaria

Tênue limite

José cavalga pelo estreito caminho de terra vermelha. Nas bochechas, o ardente do dia, a boca seca, com um fiapo de grama no canto. Um olhar perdido no horizonte. Campos, campos e mais campos. Nos pés, chinelos de dedo arranhando a barriga do cavalo. Quem o olhasse de perto, pensaria que tem a vida decidida. Conduta perfeita. Atitude positiva. Na verdade, não. Ele nem sabe o que fazer além do que faz todo o dia. Busca os animais. Estão quase escondidos, próximos a um quiosque, perto da propriedade dos vizinhos e não muito longe da rodovia. Mas tem que ir. Quem o visse, diria, que gaúcho guapo. Falta só as esporas, a bota, a bombacha. Que nada. Está de calça rasgada no joelho e muito suja. Não é porque gostaria, mas porque não pode sujar a roupa no trabalho. Tem que trazer o gado, como faz sempre. Não são muitos, nem passam de uma dúzia. Mas também não são dele, nem de sua família. É apenas um peão, que mora numa cabana, quase casebre. Os ventos mudam de direção, mas não ele. Que

As laranjas do vizinho

Diariamente, deliciava-se olhando as laranjas do vizinho. Não eram suas, talvez por isso mais saborosas. Divertidas. Tinham uma cor exuberante, apesar da luz quase inadequada do inverno. Ficava ali mastigando pensamentos. Nada melhor do que olhar as laranjas do outro. Estas têm os que as nossas não têm. Isso, se as temos. Se pudesse subir no último degrau da escada e escalar o muro, por certo aquelas seriam suas também. Um dia, faria um bem para si próprio, retirando delicado, uma a uma, todas as laranjas do vizinho. Por que somente ele tinha laranjas? Por que havia plantado, produzido, cuidado com carinho do que era seu? Por que era dono de um bom espaço. E daí? Ele também era seduzido pela terra, limpara o lixo dos fundos do quintal, examinara todas as plantas, que eram poucas, mas passíveis de crescimento, tal como as laranjas do vizinho. Não havia nada atrás de seu muro. Apenas aquelas laranjas apetitosas, suculentas, das quais sentia um arrepio nos dentes, em pensar no simple

A margem oposta

Fonte da ilustração: fotografia do facebook do escritor e poeta Wilson da Rosa Fonseca Passei a viver assim taciturno, caminhando sozinho pelas vielas escuras como um vampiro à cata de sangue. Bobagem, a única coisa que talvez nos unisse é a terrível solidão. Tão sozinho como este casaco estirado na poltrona, esperando que sacudisse o pó e o levasse comigo. Este frio que me atazanava, que me doía as carnes, que me comprimia os ossos e me deixava zonzo. Melhor seria não sair de casa, não enfrentar o vento que fustiga o rosto, que me arde os olhos, que resseca a boca, resfria a alma. Melhor ficar em casa tomando caldo verde ou chocolate quente. Melhor esconder-me entre as cobertas macias e ocultar-me do mundo. Mas precisava ultrapassar as barreiras de meus medos e dar vazão à solidão que me assolava e me deixava assim, desconsolado. Se ao menos pudesse cometer delito, qualquer delito, mesmo insosso e insano, sem consequência. Qualquer coisa maluca, que não falta grave, mas que

A FAINA DA BRASA

Animais dão-se as mãos nas campinas Verdes que se espraiam olhar afora Vozes que flutuam em zumbidos longínquos Homens se agrupam na prática eufórica Quando eles chegam de mansinho Deixam os pastos repousar Deitam as arestas de seu sono E dormem em flores a vicejar Humanos acendem fogueiras Perpetuam fogos e álcool a selar Vitórias que chegam com os arreios Ferramentas que lá vão provar No dia da desova das paixões Animais afastam-se em vão Agitam-se desesperados na rotina Da brasa que lhe cede a alma ferina Homens violentam seus bordões Gritam, rudes na faina da brasa Riem, na luta da guerra à vida A morte que chega sem saída Animais caem ao relento Esbaforidos, sedentos e sofridos Olhares perdidos nas vagas madrugadas que anseiam, mas que nada se sonham, nem sabem decifrar A morte é certa, a berrar a brasa ardente escaldando as carnes o sangue transbordado na terra ferida Homens dão as mãos nas campinas Cantam canções de vitórias e gritos de g

PIOLHOS DE RICO

Há quem adore rico. Certamente não àquele rico de fachada, que aparece toda semana nas páginas de socialite dos jornais ou fazendo campanhas de benemerência, sob alcunhas de bons moços e gente de bem. Gente chic que veste nos grandes magazines (sic) e se atualiza em grifes de marketing. Há os que adoram gente rica, e não são pessoas ruins ou cidadãos menores. São apenas simplórios. E também não há nada contra os verdadeiramente abonados, que construiram suas fortunas e obtiveram seus bens com seu trabalho, aumentaram seu patrimônio ou investiram nos que lhes foi legado de direito. Mas há os que grudam nos ricos, diria que são verdeiros piolhos de rico, cono costumava dizer um colega de trabalho, talvez um pouco incomodado pela sabujice de um ou outro companheiro. Mas analisando a situação, percebi que piolho de rico é aquele que está sempre grudado numa pessoa abonada, em qualquer esquina que vá, em qualquer cruzeiro pra lhe dar as boas idas (e vindas), em qualquer festa de b