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Mostrando postagens com o rótulo policial

ISSO NÃO DEU NA TV

No meio do quartinho, Nízia passava roupas numa mesa adaptada. O ferro quente tinia e o calor se propagava também no seu rosto, no colo suado, no qual punha a mão para assegurar-se de que estava viva. O coração batia forte e descompensado, mas que fazer? Não podia parar o trabalho. Dezenas de camisas do patrão, roupas dos filhos e da patroa, principalmente os vestidos de tecidos finos e leves, aos quais devia prestar muita atenção para não estragá-los. As mãos dificultavam o estender do tecido, trêmulas e quase incapazes de cumprir a tarefa. Será que seu corpo todo desandaria assim, de uma hora para outra, quando precisava tanto de sua energia. Sempre fora uma mulher forte. Era elogiada pela patroa, pelos poucos amigos, por alguns parentes. Embora solitária, soubera dar um rumo a sua vida. Pretendia estudar um pouco, pelo menos sair daquele b-a-b seboso que não levava a caminho nenhum. Queria ir mais longe, mas quanto mais pensava, menos tempo tinha. Era praticamente da fa

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO XXX

Clara levantou-se, cambaleando. Uma estranha vertigem. Equilibrou-se como pôde, o olhar taciturno fitando a rua alagada. Chovia forte. Um frio intenso a dominava. Estava ainda vestida da noite anterior. Nem sabia ao certo que dia era hoje, mas era uma manhã, pensou. As manhãs sempre são mais suaves, recuperadas das impurezas do dia que já passou. Apertou com as mãos, a gola do casaco. Rosto próximo à janela, bafejo embaçando a vidraça. O amor vai embora, nem espera. – Resmungava. – Vem me consolar, pegar meus braços, sacudir minha vida. Pensava em Saymon. Na partida cadenciada do trem, afastando-se tão lentamente, para não mais voltar. Se pudesse resgatar o passado, voltar atrás, palmilhar aqueles mesmos caminhos. Atravessar o cais e levá-lo consigo. Por um momento, viu policiais lá fora, como na noite anterior em que a espreitavam, quando chegou à janela. Seriam os representantes da gestapo? Queriam aprisioná-la nos campos de concentração, como uma rebelde da

A CASA OBLÍQUA - CAP. XVII

Quando o interfone tocou, Clara deu um salto. Espiou pela janela e teve a impressão de ver luzes no apartamento de Dona Luisa. Estremeceu, imaginando que Cida havia voltado. Um ódio insano se apoderou dela. Sentia-se invadida em sua privacidade, em seus segredos, em sua vida. A campainha insistia e antes que Nael aparecesse à porta, aborrecendo-a, levantou-se imediatamente da cadeira, guardando as fotos na gaveta, empurrando-as para o seu interior, negligente, investindo contra a porta, como se fosse se defender de um assassino. Em seguida, passou por ele pelo corredor e antecipou-se rápida, para a porta de entrada. Ajeitou os cabelos, puxando-os com energia para trás e abriu a porta. Quando avistou Gustavo do outro lado, tentou fechá-la, indignada, mas ele impediu-a com o pé. — Ué, Clarinha, não quer a minha visita? Clara controlou-se. Perguntou o que queria àquela hora, pois ela não estava esperando visitas. — Pois é, mas eu posso entrar, não? — Você já entrou. O que acont

A fotografia da vida de Santa - CAP. 23

Capítulo 23 Naquela noite, a polícia foi chamada porque havia um movimento suspeito na casa que estivera há tempo tempo desabitada. Encontraram o corpo de Fernando estirado no chão e nenhuma impressão digital. Entretanto, investigaram com afinco as redondezas e descobriram quem tinha chamado a polícia. O vizinho do prédio à frente, havia visto as pessoas entrarem e sairem da casa e tinha a impressão de que havia algo errado. Os policiais também examinaram as câmeras de segurança na rua, mas não conseguiram ver as placas dos carros. Entretanto, o final de uma delas estava bem nítido e o vizinho ainda auxiliara, dizendo que anotara a placa de um carro, embora não coincidisse com a parte da placa que surgia nas câmeras. Já no âmbito da polícia, analisando detidamente as cenas, puderam constatar que a placa anotada era de um dos carros que parara no local. Dali em diante, foi fácil encontrarem o dono do carro, Alfredo Sampaio. Na manhã seguinte, Alfredo recebe uma intimação para ir à

A CIDADE QUE SABIA DEMAIS - 20º CAPÍTULO (ÚLTIMO)

Capítulo 20 - último Após a confissão desesperada de Paulo, fez-se um silêncio complacente. Nada se podia argumentar. A realidade dizia por si. Paulo chorava convulsamente. Seus soluços eram ouvidos do outro lado do vidro que separava as duas peças. Júlio observava e por sua experiência, sabia que ele ficaria mais tranquilo em seguida. Foi o que aconteceu. Paulo voltou a falar, compassado, entre lágrimas, porém um tanto aliviado. – Rosa não admitia que ela gostasse de mim, que se atirasse daquele jeito sobre mim. Achava que ela era uma puta. E Rosa é muito religiosa, muito moralista. – interrompe-se um instante, como se temesse confessar mais alguma coisa que incriminasse Rosa, porém prossegue. Sabe que agora, precisa ir até o fim. – Pra falar a verdade, detetive, ela não é só a mãe que eu arranjei, entende? Ela é a mulher que me satisfaz na cama e eu faço o possível pra corresponder. Mas eu só vivo pensando em Taís, em mulheres como ela, foi por isso que fui lá e não me

Olhar noir

Nem sabia se devia sair, mas em dado momento, sentiu-se mal. Uma mulher de sua estirpe, por mais que aquele povo representasse a elite, havia entre eles alguns estapafúrdios, que demonstravam uma dissonância com o movimento, que a deixava irritada. Estava muito calor, homens suados e sem charme, vestidos em camisetas bregas pedindo autógrafos e às vezes, dando encontrões maliciosos. Se ao menos partisse de um garoto malhado, barriga tanquinho, barba mal feita e boca sensual, daquelas que suplicam um beijo cinematográfico. Que nada, havia até uns velhos decrépitos, de bermuda branca e sandalha de velcro, uh, que coisa execrável! Era hora de dar o fora, uma atriz de seu cabedal, filha de militar, que fora casada com diretores e até mágicos, inclusive se tornado virgem a pedido do policial, aquele cafajeste! Mas deixa pra lá, agora ela ainda dá os seus pitacos nos novinhos! Afastou-se do grupo constrangedor. Ouvia o seu nome a todo momento, Susi Silveira, Susi Silveira, o que produzi

Mormaço de domingo

Sentia o cheiro acre das calçadas sujas. O encardido denso esquentava os paralelepípedos mal estruturados. Um sol de ressaca, quase mormaço, mas nada pior do que o constrangimento de vê-lo ali, estirado na esquina, encostado no átrio da porta. Parecia franzino, quando o avistei do outro lado da rua. Cabeça estirada nas tijoletas quentes, os cabelos revoltos, os braços escondidos sob o corpo. Por um momento, pensei em chamá-lo, acordá-lo do torpor, que me parecia, se encontrava. Outras pessoas passavam mais adiante, olhavam curiosas, como eu, mas se dispersavam logo: um mendigo, um drogado que se abateu na noite e se transformou naquela figura estática e indefesa. Talvez não houvesse o que fazer mesmo. Para que acordá-lo? Por que trazê-lo ao mundo dos normais, se havia talvez muito mais intensidade na conduta que o levara ao abandono que ora demonstrava? Talvez uma noite de festa, bebedeiras, mulheres, alegria, e todos os prazeres da carne e da mente. Do físico, da alma? Uma peque