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Mostrando postagens com o rótulo humanidade

A barbárie

Dói o coração quando se situa longe de seu ambiente ideal, onde a dor do outro não vale nada. É como a lanterna que cai no chão, estilhaça a luz, o celular não filtra mais e a escuridão se escala. Não importa o artefato, basta apenas o poder de utilizá-lo. O homem parece deixar, aos poucos, o poder da empatia para experimentar apenas a indiferença e o interesse individual, descendo rapidamente a escala da involução. Em meio a tudo isso, a vida oscila, as costelas doem e seus ossos tangem, num pedido de socorro. Mas quem os ouve? Quem tem a capacidade de absorver sons tão ínfimos, quase inaudíveis? Entretanto, o mundo tange de dor. Doem as entranhas da terra, , o minério regurgita, o fogo se alastra, a selva padece, a natureza clama e o homem morre. Poucos veem, poucos sabem, poucos assumem. Crianças, adultos, idosos , que povos são esses que se evadem de seus territórios? Que povos são esses que estranhos assumem seus lugares, seus espaços, produzem suas dores, doenças, fome e mo

Traço caminhos

Quando vires minha mão estremecer, não faças diagnóstico sobre meu estado físico ou emocional. Quando perceberes meu olhar flutuar, não penses que meus sonhos já se foram. Quando ouvires meus argumentos, não te surpreendas com meu desabafo dilacerado. Quando notares que mal me movimento nas noites, não julgues a falta de jeito. Não conheces minhas dores, nem meus pensamentos. Não sabes de onde venho e de meu desamparo. Não peço teu acolhimento, talvez apenas teu olhar. Pode ser assim, oblíquo e disfarçado, pode ser apenas a visão de um segundo. Pode ser um gesto perturbado de um espaço invasivo, mas que não seja hostil. Não precisas falar, nem sorrir. Talvez, apenas que reconheças a minha humanidade, como a tua. Quando estiver em frente a tua casa, na soleira de tua porta, no toque da campainha, apenas pergunta o que quero. Saberás da minha fome como necessidade básica e também emocional. Saberás que vou além do ser, quase objeto, que perpassa a tua fronteira, sou também alma esco

Teu olhar

Leva o teu olhar ao passado, como se fosse permitido reverter o tempo. Como se o espaço em que vives, seja o mesmo em que tuas experiências deram sentido ou não a tua vida. Volta, mesmo que a saudade doa e o mar que atravessas não te permita o retorno. Lembra dos que contigo partilharam os mesmos caminhos e deles te distanciaste. Quanto desalento, quanta dor e desamparo. Quando houve acolhimento? Nos primórdios do país, quando se matava indígenas e se introduzia uma cultura que escravizava, matava e alterava os costumes? Quando se impunha uma teoria jesuítica transformando o homem da terra num ser metamorfoseado por conceitos adversos e estranhos a sua concepção de vida e humanidade? Quando se escravizou homens e se criou castas e distinções de etnia, de cor, de gênero? Talvez os processos de barbárie ainda prossigam nos mesmos parâmetros, apenas tingidos por tecnologias cujos avanços não se refletem na condição humana. Mas quem sabe, voltas o olhar ao passado, sem desviar do

O dia dos pais

O dia dos pais é uma data magnífica para os pais, é claro, mas também muito importante para os filhos. É nesta integração de pais e filhos, que ocorre de maneira plena e permanente a humanidade na sua essência. A empatia, a alteridade, a solidariedade e o amor ou tudo isso, ao mesmo tempo, acontece nesta experiência. A experiência de pais e filhos. O homem, a meu ver se transforma quando atribui a sua existência, o ato de ser pai. Alguém me disse, certa vez, que o homem ao ser pai é capaz de tornar-se outro ser, qualquer coisa, até mesmo um leão para defender o filho. Por muito tempo, pensei naquela conversa e tive um insight quando nasceu a minha filha. Aquele senhor tinha razão, o que expressara com tanta sapiência era a pura verdade, pois a vida transcorre num processo de alternância entre os fatos bons ou ruins, atraentes ou insignificantes, raros ou profundos, mas todos, todos eles tem extrema densidade e importância quando quaisquer circunstâncias, sejam quais forem, se refira

Eu e a velhinha de Taubaté

Acho que sou meio parecido com a velhinha de Taubaté, do Veríssimo, que acreditava piamente no governo do General Figueiredo. Eu acredito na Globo e entendo o que o povo que vê TV, pensa como eu. Sabe por quê? Porque eu assistia ao programa Amaral Neto, repórter, lá pelos meados de 1970, mostrando as belezas naturais e culturais do Brasil, além da união que o governo militar trouxera ao nosso imenso país continental. Ah, nesta época, eu amava a Regina Duarte, que depois da Ritinha, de Irmãos Coragem, passava a ser no ano seguinte, a namoradinha do Brasil com a novela Minha doce namorada. Um primor de pessoa. Sei que ela era assim na vida real: doce, simpática, sorriso amplo e pura! Antes ainda, no tempo dos Irmãos Coragem, ano em que o país ganhou a Copa do México, a tortura ainda era encoberta nos porões dos órgãos de repressão, e o General Médici era um presidente que mantinha um olho nos partidos clandestinos e outro nos campos de futebol. Por coincidência a novela tinha com

Onde chegará o homem?

Não gosto de comentar notícias policiais, muito menos ficar dissecando as informações, investindo em cada detalhe e transformar o fato numa dramaturgia barata. Mas às vezes, a realidade dura nos obriga a pelo menos refletir e sofrer as consequências da falta de humanidade. O bebê baleado no útero da mãe e que não resistiu e acabou morrendo, em Caxias, na Baixada Fluminense vai contra qualquer percepção de realidade, como se o surrealismo ou a ficção concentrasse seus valores em nossa realidade. Como não se comover, como não sentir na pele o arrepio da dor e do medo ao assistir um fato tão doloroso. Isso apenas citando dois fatos, embora ocorram diariamente todos os tipos de assassinatos e perdas terríveis ao povo brasileiro. Como acreditar na humanidade e imaginar que ainda há futuro? Quando vemos nossos filhos longe, ficamos com o coração na mão e quando estão perto permanecem em total abandono, porque as balas perdidas não são excessões, ao contrário, são a regra em muitos recanto

A cicatriz de uma época

Nunca a realidade deveria superar a ficção, entretanto, o homem extrapola a sua humanidade, para tornar-se apenas uma ideia, um conceito, expressado a partir de quem está no poder. Talvez aqueles objetos observados em Auschwitz fossem apenas um signo linguístico nos quais observaríamos o que representam os sons e imagens que estão em nossa mente. Ali portanto, os objetos abrangem muito mais do que representam na realidade, pois sua memória é impregnada de sentimentos, dores, sofrimentos das pessoas ali representadas. Quantas vezes, a menina não imaginou um lar cuja boneca fazia parte do sonho, orquestrado por mãos pequeninas e frágeis que a transformavam no ícone do prazer infantil. Uma menina e sua boneca. A mãe e a filha. A professora e a aluna. Quantos sonhos e esperanças. Quantas vezes aqueles sapatos passearam pelas avenidas e torceram seus saltos nos paralepípedos ou se aproximaram dos degraus das igrejas ou se afastaram por trilhos procurando saídas, transmudando-os em

Não me perguntes

Não me perguntes porque o mundo gira, porque o tempo passa, porque os ventos sopram e o calor não se atenua. Não me perguntes porque ficamos mais velhos, porque as crianças se deseducam e os pais se desobrigam em seus princípios. Não me perguntes porque as coisas se substituem e o homem não vence as batalhas cotidianas e tudo se aproxima do caos. Não me perguntes quem se corrompe ou é corrompido, quem se deixa corromper ou corrompe. Não me perguntes se os rios secam e as indústrias expelem produtos nocivos. Não me perguntes quem polui ou quem colabora com o mau aproveitamento da natureza. Não me perguntes quanto volume possui cada gota de chuva que se espalha no parabrisa do carro. Nem se posso juntá-las com as mãos. Pois o que sei, é que não posso medir jamais. Os hidrogênios, oxigênios e metais pesados não podem ser medidos mecanicamente, assim como não se pode avaliar nada sem comparar com nossas próprias ações, porque somos deste mundo caótico, cheio de falhas e perversões. S

O cofre e as moedas

Seguir certas crenças ou talvez quaisquer delas, cristãs ou não, têm-se a impressão de que muitas vezes, Deus situa-se longe demais, num espaço tão distante que se equipara a estrelas inatingíveis. Pelo menos, o Deus do amor que Cristo nos revelou. Nestas religiões ou crenças, o contato com Deus exige muitos caminhos e a maioria deles tem meandros que desembocam em labirintos, aos quais não temos acesso ou nos perdemos na viagem. Para este contato, ficamos a sós, despidos de qualquer humanidade ou desejo, onde os conceitos se constroem nos percalços de uma sociedade idiotizada, na qual o ser humano parece o último da hierarquia animal. Para elas, as crenças e seus idealizadores, atingir este contato exige sobrepujar a dor, exaltar a imagem em detrimento do conteúdo, reproduzindo um ambiente de felicidade. Para ter o contato com Deus é preciso ser aceito na clã e equilibrar-se em cabos sob precipícios, sem rede de apoio, perdidos na fé cega de quem alcança apenas a pala

Minha avó e a Apollo 11

Havia um clima de angústia e alguma agitação na casa. Foi no dia do casamento dos dois. Minha avó estava deitada em seu quarto. Eu tinha a impressão de que ela observava a minha mãe com um olhar de súplica e até um pouco de desconfiança. Talvez imaginasse que aquele casamento pudesse curar a sua doença, ou pelo menos, não a matasse de vez. Minha mãe, ao contrário, por mais que evitasse demonstrar, apresentava uma inquietação em cada movimento ou conversa. No fundo, ela sabia que a morte era inevitável. Apenas, desejava que a mãe não sofresse tanto! E aquela falta de ar que não passava, aquela angustiosa espera de que alguma coisa acontecesse e por um milagre, ela voltasse a conversar normalmente, a respirar com fluidez, voltar a sorrir. Minha mãe chorava pelos cantos, mas na frente dela, sorria e dava esperanças. Meu avô parecia não entender bem aquela história, mas aceitava pacificamente a ideia do casamento. Não sabia porque a filha inventara um casamento religioso, tant