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Mostrando postagens com o rótulo gato

Pensar nas nuvens

Desci lentamente a rua, uma ladeira estreita, amaciando os pés nas folhas amarelas, dobrando esquinas, pesquisando um ar mais puro. Sem saber, tinha em meu coração que coisas ameaçadoras interromperiam a minha trajetória. Mas que fazer, se não esmagar com as mãos aquele gato pequenino, que miava insistente, que teimava em não ser afogado no tanque? Puxar o gatilho da mente, disparar as ondas elétricas do cérebro, insistir no improvável. Viver outra armadilha, muito mais densa, mais perigosa. Enroscar-me na rede como um peixe agonizante. Olhar pelos atalhos e sentir que a dor é bem mais intensa quando se vê a alegria dos outros. Os outros que estão tão próximos, acirrando com olhos fixos nossa dor, que quase os tocamos e sentimos sua gosma grudenta, sua respiração ofegante, seu hálito sujo. Poder fugir da armadilha, escapar da dor imensa, mergulhar no passado, pisar novamente as folhas secas, amaciar os pés na fofura verde-amarela, sentir o hálito puro do entardecer do outono, c

O gato cinza

Quando o gato cinza pulou no colo de Sandra Mara, ela alisou o seu dorso delicamente. Em seguida, porém, empurrou-o para o chão e puxou a bacia para o centro da sala. Espiou se a chaleira estava fervendo e começou a encher a bacia, uma bacia grande, quase uma banheira, pensou. O gato ronronava em sua volta, lambia-lhe os pés, encostava o rabo em suas pernas. Sandra Mara não se incomodava com aqueles afagos inoportunos, mas naquele momento, não eram bem-vindos, por isso o empurrou novamente com o pé. Ele deu um gemido e pulou para uma prateleira na parede oposta à do fogão. Ela retirou a chaleira do fogo e começou a encher a bacia. Abriu novamente a torneira, desta vez para encher uma jarra e não a chaleira. Depois esfriou um pouco a água da bacia com a da jarra. Colocou delicadamente os dedos provando a quentura e tirou-os de imediato. Ainda estava muito quente. Retomou a tarefa de esfriar a água, observada pelo gato sobre a prateleira. Experimentou mais uma vez, agora enfiando tod

A CASA OBLÍQUA - CAP. XX

Clara estava fascinada com as histórias que Dona Luisa lhe contava com tanta verdade, que pareciam estar acontecendo hoje. Como ela gostaria de amar assim. Mas depois de Bruno, tudo parecia difuso e sem perspectivas. Bateram à porta e seu coração saltou, desassossegado. Deu alguns passos e abriu-a devagar. Olhou para Nael, examinou-lhe a proeminência viril do queixo, a boca sensual e sentiu uma estranha vontade de beijá-lo, mas ficou quieta. Já tinha ido longe demais com aquele homem. Sua história era muito semelhante à de dona Luisa, mas não ao ponto de apaixonar-se como ela. Em todo caso, sentia-se bem em ajudá-lo. Tirava-a da solidão. Libertava-a um pouco da frustração que Bruno lhe causara. Então, perguntou a Nael do que se tratava. Ele não conseguia expressar-se com facilidade. Estava muito preocupado e devia esconder-se. Não entendia porque ela tinha chamado a polícia. — Polícia? Você está louco! — Mas você, você... — Vá, vá para o escritório. Vou receber est