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Mostrando postagens com o rótulo dor

Esperar

Esperar. Estar à espera de algo, ter esperança. Há tantos significados para o verbo, além destes citados. Há, no entanto, a possibilidade da espera ser somente uma espera, nada mais. Um atentado à lógica, ao senso estabilizado, ao padronizado, ao comum. Que fazer, se não esperar pela aventura de ser feliz? Que fazer, se não esperar pela ausência do medo, da incerteza do acolhimento, da dúvida do sentir? Que fazer, se não aguardar o momento em que o sentimento revele alguma certeza, embora restrita nas verdades relativas? Que fazer, se não olhar para o nada e perceber a distância tênue que nos separa do sonho e da realidade? Que fazer, se não parar, como uma estátua, quando a vida se esvaí num único momento? Que fazer na hipótese da dor, da solidão, do olhar canhestro da desilusão? Não sei. Talvez ninguém encontre qualquer solução, apenas se liberte das expectativas e viva tudo na média. Ilustração: https://pixabay.com/pt/illustrations/possível-impossível-oportunidade-2499888/

A fronteira dos pensamentos

O que me pedes do alto de teus argumentos? O que exiges da fronteira de teus pensamentos dispersos e esparsos? O que defendes de um sistema de morte, de guerra, de armas e dor? O que permites em tuas condescendências mais simples? A quem desejas a vida e a paz? Quem merece teu brilho, tua alegria e tua contemplação? Por certo, os de tua classe, os que pensam como tu, os que zelam por teu pensamento único de família, propriedade e este deus ao qual veneras, quando vela apenas por teu grupo. Sei que há muito, excluíste os que pensam de modo diverso, sei que defendes a estranheza para amalgamar a homogeneidade de tuas ideias. Sei que o mundo pra ti é de uma cor apenas, um fastio de diversidade, de alegria e poder, que me dá preguiça. Sei que enxergas os demais de acordo com a tua ótica semelhante, na qual apenas os que estão na tua bolha são os eleitos. Parece que teu deus os acomoda assim e os aparta dos maus. A bondade que revelas é útil apenas para locupletar os teus desejos de pode

Onde ficou a poesia?

Onde ficou a poesia? Onde ficou a ilusão? Perdidas numa esquina qualquer, sem sonhos nem saudades a serem desfrutadas? Que se curte agora? A chacina no Rio? A morte de homens negros? O desvio de verbas endereçadas a kit de medicamentos e aparelhos, em plena pandemia? A morte de milhares de pessoas diariamente? O descontrole de um governo que debocha da morte que não lhe pesa nas costas, porque não as assume? Porque as deseja com espírito assassino? Onde ficou a poesia onde só há dor? Onde ficou a alegria onde só há morte? Onde ficou a segurança e a confiança, onde só há descalabro? Onde ficou a verdade, onde só há fake news? É uma dor contínua, que agoniza ante nossos olhos diariamente. Uma dor que nos invade, que nos impede de sonhar, de sorrir. Uma dor que nos deixa inerte, sem espírito de luta, sem esperança. Pois quem devia alertar a população, produzindo campanhas de vacinação e isolamento social, quem devia comprar vacinas desde o ano passado e não o fez, quem debocha d

Mudez

Fico calado. Não tenho o que dizer. O silêncio, às vezes, é uma benção. Pelo menos para os que dividem, não argumentam, nem ouvem. Mas ficar calado, não impede a ansiedade e a frustração. Estas aumentam, devoram-nos e num círculo vicioso, nos fazem calar ainda mais, embora nosso coração grite de angústia e dor. Há tanto o que dizer! Mas quem há de ouvir? Quem se interessa? Há tanto a pedir, há tanto a lutar! Mas a luta parece inglória. Perdemos sempre. As ondas virulentas se sucedem, tão fortes e resistentes quanto o ódio. Nada importa. Não importa que nossos irmãos morram, agoniados, sem ar, sem força, como animais desamparados ao relento. Não importa, que muitos passem fome, e se espalhem pelas favelas como moscas contagiosas, onde não lhes é permitido qualquer brecha de vida ou esperança. Não importa a morte porque ninguém é culpado, ou melhor, todos são, com exceção do governo. Este que lidera com intolerância e ódio genocida a uma legião de “homens de bem”, parece estar muito

Pensar nas nuvens

Desci lentamente a rua, uma ladeira estreita, amaciando os pés nas folhas amarelas, dobrando esquinas, pesquisando um ar mais puro. Sem saber, tinha em meu coração que coisas ameaçadoras interromperiam a minha trajetória. Mas que fazer, se não esmagar com as mãos aquele gato pequenino, que miava insistente, que teimava em não ser afogado no tanque? Puxar o gatilho da mente, disparar as ondas elétricas do cérebro, insistir no improvável. Viver outra armadilha, muito mais densa, mais perigosa. Enroscar-me na rede como um peixe agonizante. Olhar pelos atalhos e sentir que a dor é bem mais intensa quando se vê a alegria dos outros. Os outros que estão tão próximos, acirrando com olhos fixos nossa dor, que quase os tocamos e sentimos sua gosma grudenta, sua respiração ofegante, seu hálito sujo. Poder fugir da armadilha, escapar da dor imensa, mergulhar no passado, pisar novamente as folhas secas, amaciar os pés na fofura verde-amarela, sentir o hálito puro do entardecer do outono, c

UMA PLANTAÇÃO DE BONECAS

Centenas de bonecas se espalhavam no jardim. Quando passeávamos por ali, tínhamos a impressão de que um leilão de brinquedos era instalado ou talvez, tudo procedesse de um longo pesadelo do qual não podíamos acordar. Passamos por perto, chutando o que nos vinha pela frente, tanto as bonecas, quanto pedras e pequenos objetos de madeira que não significavam nada. Pelo menos, nada relacionado a brinquedos. Continuamos nosso percurso, um tanto desolados. Parecia também que uma inundação havia deixado aqueles rastros espalhados, a água viera, se acumulara até as janelas, mergulhara os jardins e por fim, retomava ao seu curso, deixando as bonecas arremessadas e sujas ao relento. Sentia pena. Não podia ser verdade o que diziam. Uma plantação de bonecas, como se fossem espantalhos no meio do milharal? Cada coisa estranha se passava em nossas cabeças, por isso, parei um pouco e tentei refletir sem qualquer emoção. Talvez aqueles objetos fossem apenas fruto de um total desconsolo pessoal,

O peso da liberdade

Sentia as madrugadas se espraiarem e a sensação de que a vida se alongava, ali, naqueles momentos fugazes. Nada havia para impor: a natureza se completava. A vida estava além das paredes de seu quarto. Estirava-se nas sombras encardidas dos muros mal pintados, nas sacadas fragmentadas, nas quais figuras se expunham assim, descomedidas e sem pudor. Transformavam-se em manchas de água, nas calçadas limpas, sereno incrustado da umidade gélida produzida. Era assim. A natureza se esbaldava em fervor, em criação e criatura, em inventar a vida. Para ele, as madrugadas não passavam de um espiar solitário pelas persianas. Um olhar entrecortado em tiras. Um olhar apenas. Nada que impusesse uma vontade forte, que se derramasse em seu corpo e atingisse a alma. Que nada. Bastavam os sons difusos da noite insípida em que se resumiam suas horas. Uma coisa insossa. Uma coisa sua, mas que não compartilhava com ninguém. Melhor assim. Melhor deixar-se vesgo e perturbado ante o desconhecido

Horas para orar

Horas vão, horas vêm horas de todos os fusos horas de frio, horas de dor Oras pra todos os santos e por ora, oras por mim também Ora essa, pros anjos oras também Por certo as horas virão e horas que passarão Ora lentas e doídas, ora em dúvida e incautas, nao te deixarão orar por mais ninguém, porque oras por ti.

Momentos e encontros

Há momentos em que a multidão restringe os movimentos, os passos, os suspiros e outros em que a solidão prevalece em espaços vazios, produzindo estranhamentos em nossos mundos. Há momentos de abastança, festas eloquentes e climas de euforia. Outros de espanto, pobreza e medo. Há momentos de certeza, outros desconfiança. Há momentos de temperança e tolerância. Outros em guerra lutando por paz. Há momentos de entusiasmo, criatividade e procuras, outros de trabalho e suor. Há momentos de prazer, de excessos e devaneios, outros de reflexões e dúvidas. Há momentos que se cruzam, que se interpõem e se unem, ou morrem ou se recriam. Por isso pergunta-se: por que lá fora o frio, a dor, o medo, a angústia, o sofrimento? Quem sabe aqui, também, hospitais a céu aberto, onde as feridas não curam e os algozes as aceleram. A vida, às vezes, ecoa sonora e musical, lá fora. E aqui, retumba surdo o som que some e não se assume. Quem sou eu nestes encontros? Quem som

A dor

Tenho medo da dor. Da dor incólume dos que procuram o prazer. Da dor doída dos que abandonam. Da dor dos indefesos. Da dor estúpida dos perdidos e humilhados. Tenho medo sim, da dor. Não da dor física, somente, mas da dor da alma, esta que dilacera e corrói o espírito, que diminui o homem e institui o animal. Um animal que pode ser frágil, manso, passivo ou violento, inóspito, hostil. Um animal que luta, que esbraveja, que se vinga. Ou um animal que acolhe sem súplica o que a vida lhe dá, resgatando apenas o sentido da falta de sentido. O viver da não vida o quase zumbi do ser. Pudera quem sabe fugir da dor e assim, covardemente anunciar ao mundo uma vitória inglória de quem não vence mas finge. Uma vitória insossa de quem permanece vivo, mas não vive. Quem sabe pudera enfrentar a dor e abrir as entranhas, e mesmo morrendo deixar entrar a luz da esperança. Uma esperança acolhida e amada, mergulhada no insofismável perecer. Se perecer é dor, melhor escolher outra saída. Quem sabe en

PAREDES APARENTES

Morena, ainda percorro em infinitos passos, cada taco do corredor. Sei que imaginas, mas não sentes o que sinto, nem percebes a aflição. Toco nas paredes, como se me ouvissem, e às vezes, tenho a impressão de que não estão aqui, de verdade. Paredes aparentes que me oprimem, me sufocam como mãos que se torcem e me agarram a garganta. Morena, falta-me o ar. Queria ver-te, bem perto, nem que para apenas receber o beijo frio, molhar minha boca no teu veneno e corromper minhas vísceras. Quisera vender a mobília, cerrar as janelas, impedir o vento que rola as folhas em rodamoinhos de nossa paisagem. Quisera não sentir o bafejo na vidraça, molhando os olhos, nariz e boca no frio do vidro. Preferia fugir e pisar nos insetos que infestam nossas soleiras. Ouço tua voz, teu cheiro, tua presença. Ecoam tuas palavras, às vezes doces, outras, duras, frias, cruéis. Moreno, arrisquei atravessar a lagoa, dei braçadas para vencer as marolas e não alcancei teu amor. Hoje, pra ti não sou nada, carta do

A MÃE NA JANELA

A mãe na janela Tantas vezes a vi, assim, debruçada sobre a mesa, esticando, alisando com as mãos cuidadosas, alentadas de carinho e cautela, no fazer simples, mas imprescindível do passar o friso, transformar em plano o tecido rugoso, amarfanhado, atirado no cesto de roupas. Tantas vezes, a vi na costura, dobrando as costas no espaldar incômodo da cadeira, puxando sob a agulha, o pano, com a mão diligente, moldando-o de acordo com a linha que se desenhava autoritária, inventando curvas, metamorfoseando o que não tinha forma, transformando em vestuário o que era só projeto. Tantas vezes a vi, ainda perscrutando entre lentes emprestadas, o grau necessário para puxar o fio, manusear o dedal, criar a imagem em alto relevo, bordando o que era somente um risco imitando flores ou paisagens. Colorindo o que o sol se antecipava em dar-lhe cores e reflexos. Quem sabe os contemplasse, quando prontos e percebesse que sua criação devia muito à natureza, já que os punha sobre a mesa, ao alcance da