Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens com o rótulo cerveja

O trauma de Alice

Fonte da ilustração: Fotografia de Wilson Rosa da Fonseca Alice estava abalada. Não havia naquele momento nada que a mantivesse com os pés fixos na realidade. Seus pensamentos eram interrompidos por outros mais confusos e delirantes. Tinha vontade de correr, de sair do próprio corpo, de abandonar a vida. Mas não faria isso. Nem mesmo tomaria uma bebida forte ou qualquer outra droga que a estabilizasse. Não, faria o que sempre fez. Ficar quieta, parada, quem sabe, olhando o mar. Entretanto, nem mesmo isso a consolava. Como ficar quieta se tudo havia perdido. Se a dor da separação, se o trauma da traição a instigava a tomar uma atitude contra si, como sempre fizera. Desceu as escadas do velho apartamento, degrau por degrau, cabeça baixa, algumas lágrimas nos olhos, um sofrimento silencioso de quem não sabe o que fazer. As paredes do prédio pareciam mais velhas e descascadas. Ela observava a tinta avermelhada, por trás da verde brilhante num pedaço descamado. Quem pintaria de ve

A esquina iluminada

Fabrício desceu os vinte e cinco andares do prédio, tateando pela luz fraca do celular. Ainda bem que não tomara o elevador, pensara, ainda aturdido pela queda de luz. Dirigiu-se ao carro e em seguida afastou-se, passando pela portaria e cumprimentou com um meio sorriso os dois funcionários, que pareciam olhá-lo surpresos. Já chegando à rua, ouviu um “oh” festivo pelo retorno da iluminação. A noite se antecipava e ele continuava no bairro tão próximo ao de sua infância, olhando pelo retrovisor do carro, como se a qualquer momento um personagem desavisado voltasse para o cenário antigo. Coração atribulado. Desceu do veículo e caminhou rápido, atravessando ruas, dobrando esquinas, sentindo o frio produzido pelo sereno que molhava do paletó aos cabelos. Em seguida, deparou-se com um bar muito parecido com o de seu pai. O frontispício com aquelas ramadas sobre a porta de duas abas, expressando o tempo passado. Havia música ruidosa anunciada por um apresentador, espécie de show

O detetive e a cerveja alemã

Samuel Smart era o nome dele. Dizia-se detetive particular e tinha tanto sigilo, que temia que o chamassem de detetive. Certa vez, estávamos num bar tomando umas cervejas e o chamamos, mas ele nem nos olhou. Ficamos nos perguntando o que estava acontecendo , eu e outro amigo que comemorávamos qualquer coisa, como o início do verão, ou apenas o simples motivo de nos reunirmos. Afinal, Samuel Smart era nosso conhecido há muito tempo, não que tivéssemos uma amizade mais próxima com ele, mas a intimidade se dava devido à pequena distância de seu escritório como o nosso trabalho. Às vezes, o encontrávamos ali mesmo, no bar, com uma história capciosa, mas aquele dia, especialmente ele nao queria a nossa presença. Tempo depois, voltou assoberbado e até ofegante, passando por nós e evitando conversa. Não deu outra: resolvemos tirar a limpo o que estava acontecendo. Levantamos da mesa e fomos ao seu encontro. Samuel disfarçava, olhava enviesado para os lados, procurando não dar na vista

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO VII

CAPÍTULO VII Ao acordar na manhã seguinte, o primeiro pensamento que ocorrera à Clara se referia à conversa que tivera com Nael. Durante todo o tempo, teve a impressão de que eram velhos conhecidos, embora a dificuldade da língua. Não podia se furtar aos pensamentos que se dispersavam, estava inquieta, motivada pelo diálogo que mantiveram tão animados. Entretanto, não era uma inquietude que se traduzisse em ansiedade, ao contrário, sinalizava uma convicção de que agira corretamente. Já de banho tomado, colocou as lentes de contato, ritual de todas as manhãs e guardou cuidadosa, os óculos na bolsa que levaria para a Universidade. Antes de sair do quarto, acessou seus e-mails. Nada de novidade, a não ser as mensagens de seu orientador, algumas newsletters que a encaminhavam a textos de artigos de revistas ou jornais e muito lixo eletrônico. Ela não se concentrava em nada. Pensava nas expressões peculiares de Nael, no seu jeito amistoso de falar, no esforço de se fazer entender.

O DOCE BORDADO AZUL - 27º CAPÍTULO

Nosso folhetim está chegando ao fim. Hoje, apresentaremos o 27º capítulo, faltando apenas dois para o encerramento. O último capítulo tem o número 29. Lúcia descobrirá o corpo de Gustavo no quarto amarelo? Ele terá realmente morrido? Quem matara Irmã Carlota? Que acontecerá a Lúcia? E a Laura? A quem se destina o doce bordado azul? Na próxima quinta-feira, a sequência desta história eletrizante, como se anunciava antigamente. Capítulo XXVII Um diálogo reticente Quando a encontrou desmaiada, Lúcia sentiu uma fisgada no peito. Não tanto pela situação deprimente, vendo-a fragilizada, sozinha, estirada no chão, mas principalmente porque sentia-se culpada, como se a houvesse traído. Ali estava ela, com a boca entreaberta, os olho semicerrados, perdida em seu mundo interior. Fez todas as tentativas para acordá-la, mas era em vão. Por fim, pensando em chamar o serviço de emergência, ouviu um gemido. Correu ao seu encontro e a viu abrir os olhos. Laura sinalizava alguma coisa, l

SOU DO CONTRA!

Eu sou contra tudo isso. Não importa que me fritem com azeite quente, nem que me façam ferver no fogo do inferno. Sou assim e não vou mudar. Quero acabar com as alianças dos que se enfileiravam à direita do prato. Há os que se regozijam do mal que nos fazem, mas tenho comigo, que apenas servem ao verdadeiro sabor da vida. Dias e dias os assisti calado, sem dizer nada, esperando que algum dia liberassem. Dei com os burros nágua. Mas agora, não vou voltar atrás, não vou declinar por falsas ameaças. Está na hora da luta. Comecei agora. Retirei devagar aquelas alianças de barbante que envolviam as linguiças campeiras, uma por uma e coloquei para o outro lado do prato. Da direita, para o outro canto, para incluir na mesma porção, os temíveis pedaços de bacon alinhavados com o queijo gorgonzola e o paozinho de alho. Todos os embutidos foram se soltando, as linguiças amarradas se transformaram em pequenos blocos de petiscos proibidos, um a um, pendurados em argolas, agora desfeitas e s