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A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO IX

Capítulo IX Clara temia que os fatos acelerassem alguma atitude extrema que precisasse tomar. Não podia abandonar Nael à própria sorte, mas ao mesmo tempo, sentia-se constrangida pela revelação de Cida. A sua situação se agravava, arriscava-se a ser parte de um processo administrativo que poderia afastá-la do trabalho, inclusive ser demitida. Na verdade, sentia-se uma tola, por ter deixado que os sentimentos sobrepujassem a razão, a ética profissional e os seus deveres de funcionária. Mas por outro lado, aquela situação havia preenchido uma lacuna de sua existência. Resgatando a liberdade de Nael, estava resgatando também um pouco de sua liberdade, sua condição de mulher, que se sentira ultrajada. Estava tão frágil e dependente quanto ele. Talvez por isso, tomara a decisão sem compromisso com a realidade. Ele por sua vez, estava envolvido em muitas dificuldades e lutava, como ela, para sobreviver. Percebera a maneira aflita de Clara, após a conversa com Cida. Mostrara-lhe o

A CASA OBLÍQUA - CAPÍTULO IV

CAPÍTULO IV Clara levantou-se inquieta e espiou pelas frestas da veneziana. Luzes que evocavam movimentos, pessoas que passavam na calçada, lá embaixo, mas cujas vozes ressoavam agitadas, como se estivessem ali, bem próximas. Buzinas de carros, motos que rasgavam tímpanos, dilacerando ouvidos. Portões de ferro arranhando os pisos. Lojas abrindo. Operários chegando. Conversas no café, na padaria, nos açougues. Primeiros acordes do dia. Não conseguia relaxar, como pretendia. Pensamentos confusos, que iam e vinham ao sabor das recordações, ora agradáveis, ora tristes ou trágicos. Por vezes, lembranças da infância, trazendo-lhe aromas conhecidos de fins de tarde de outono, brincadeiras na rua, amassando folhas secas, ouvindo o estalido agradável de se partirem como papel. Vozes dos pais, resgatando pequenas alegrias, que se espalhavam no dia a dia, sem maiores preocupações, do que ser feliz. Até que eles desapareceram, um de cada vez, como folhas agora não mais rígidas,

A fotografia da vida de Santa - CAP. 20

Capítulo 20 Quando anoitece, Fernando retorna para a casa onde decidira residir em definitivo. Uma casa que lhe traz muitas recordações, mas está disposto a enfrentá-las e conviver com elas. Afinal, foi a sua vida durante tanto tempo. Quem sabe, agora, ele a reconstrói e esquece para sempre o trabalho de jardineiro. Sabe que precisa andar na linha, para não voltar para a prisão, pois não suportaria voltar para aquele hospício. Entra em casa e ao ligar o interruptor assusta-se com a presença de Linda, esperando-o na sala. — O que está fazendo aqui? Como a senhora entrou? Linda sorri e aproxima-se para abraçá-lo. A primeira reação de Fernando é afastar-se, mas lembrou-se das palavras de Alfredo, de que deveria ser cínico e não enfrentá-la. Então, dá um leve beijo na testa e afasta-se novamente perguntando como ela havia entrado. — Desculpe, meu querido, não queria assustá-lo. — Mas a senhora me assustou. Como vou imaginar que alguém estará aqui, dentro de minha cas

A avalanche de sons

Hugo acordou com um certo zunido nos ouvidos. Na verdade, nem sabia se o ruído vinha de fora ou era um som interno, que não conseguia identificar. Aos poucos, diferentes sons eram ouvidos e tinha a impressão que várias pessoas falavam ao mesmo tempo, bem perto de si, além de outros barulhos. As paredes estalavam, os cabos de luz produziam pequenas alternâncias de ruídos, como movendo-se levemente e até mesmo os plugues das tomadas emitiam sonoridades estranhas. Parece até que borboletas batiam asas próximas ao seu rosto e um cri-cri de grilos se alternava com zumbidos de mosquitos. Estaria sonhando, pensou. Levantou-se rápido e foi até a janela. Viu pequenos agrupamentos de pessoas na calçada e um burburinho intenso, como se estivessem à espera de algum acontecimento grandioso. Puxou os óculos da ponta do nariz e tentou enxergar no outro lado da rua. As sacadas do prédio da frente estavam repletas de homens, mulheres e crianças, todos envolvidos numa balbúrdia animada. At

PÁSSARO INCAUTO NA VIDRAÇA - CAPÍTULO I

ESTE É O SEGUNDO FOLHETIM QUE PUBLICAMOS EM CAPÍTULOS. COMO NO ANTERIOR, SERÁ PUBLICADO NAS TERÇAS-FEIRAS E QUINTAS-FEIRAS. HOJE QUINTA-FEIRA, 7 DE JANEIRO DE 2016, PUBLICAMOS O 1º CAPÍTULO. ESPERO QUE CURTAM E VOLTEM AO BLOG PARA ACOMPANHAR A SEQUÊNCIA. OBRIGADO . Capítulo 1 Não sei se me arrumo de jeito. Quero ter as coisas no lugar e os dias passam rápidos que nem me dou conta. Acho que preciso parar e pensar e refletir muito, para não ficar rememorando coisas dormidas, esquecidas, mortas e enterradas. Por mais que me esforce ao contrário, os fatos acontecem. Pudera amanhecer o dia e nem ver as primeiras cores, os primeiros riscos avermelhados, quando tem sol ou quando o sol vai aparecer daqui a pouco. Que nada. Já nem me animo com estas belezas da natureza. Tudo já é cinza, sem cor. Afinal, passo as noites olhando pela janela, que nem desconfio se há qualquer diferença no tempo. Se chove, faz frio ou calor, saberei no decorrer do dia. A cabeça pesa, o corpo dói e os anos qu

O DOCE BORDADO AZUL - 18º CAPÍTULO

Nosso folhetim como se fazia no século XIX, nos jornais brasileiros, continua em todas as terças e quintas, na sequência dos capítulos. Hoje, como é quinta-feira, senhoras e senhoritas, e também senhores, apresentamos mais um capítulo. Capítulo XVIII A ajuda Lúcia acordou pressentindo uma coisa líquida e pegajosa aproximando-se do quarto. Mal percebia as luzes da persiana, que se estendiam sobre a cama e abriu os olhos vigorosamente. Devia tratar-se de um pesadelo, desses de deixar a gente aterrorizada, percebendo sons inexistentes, ruídos aterradores, águas poluídas que fundem o corpo e a alma, numa afogamento fétido. Arbustos gigantescos, algas que se alinhavam ao corpo, como agulhas cerzindo o tecido. A mãe empunhando a agulha como arma cheia de veneno, instilando na pele, espalhando pelos dentes, amortecendo a gengiva. Doía-lhe o ouvido, o maxilar, a boca. Sentia um peso enorme na cabeça, como se carregasse pedra e aquela impressão da água suja se aproximando do q

O DOCE BORDADO AZUL - 14 º CAPÍTULO

Todas as terças-feiras e quintas publicarei capítulos em sequência do romance "O doce bordado azul". A seguir o 14º capítulo. Capítulo XIV As alucinações de Laura Abrir os olhos devagar, sentir o corpo debilitado, como se não pudesse levantar-se, sem ânimo para nada, a não ser ficar quieta, em posição fetal. Mas aquela luz que insistia entre as frestas das cortinas não a deixavam esquecer-se do início do dia, ou do fim, não sabia bem distinguir. Quando viu a figura da mãe, à porta do quarto, fechou deliberadamente os olhos. Artifício providencial, imediatamente percebido. Laura perguntou se não se levantaria, as horas passavam, a tarde chegaria logo. Não poderia dormir o dia todo. Lúcia, como uma adolescente em dia de prova, encobriu a cabeça com o lençol, resmungando, exigindo que se afastasse dali, que a deixasse morrer. Mas não era possível, embora Laura saísse do quarto, sem antes informar que logo, logo teriam visitas. Que ameaça terrível significava aquela in