Nem sempre a noite clara, a brisa entre o arvoredo, a avenida com luzes esparsas pairando sobre bancos e jardins, parecem a plenitude da paz no fim de verão. Pode ser sim o reflorescer das esperanças dos que se reencontram, o harmonizar do mate solitário no banco de madeira, o gorjear dos pássaros noturnos que sinalizam o início do descanso.
Ou a emboscada da solidão que martela de leve os que carregam na mochila pesada de vazios, a busca insensata das bebidas e drogas, do ser não sendo quase nada, dos que mendigam amores e dinheiro no chão das esquinas desenhado entre folhas e luar.
Outro dia, o vi recolhendo latinhas perto do parque infantil. Fumava uma bagana e parecia procurar alguma coisa indefinida, talvez uma dúvida da qual não se livrava. Olhou-me de soslaio e sem vacilar, disparou: o que é cupincha? Surpreso, respondi indeciso: comparsa. Ele reagiu com um grunhido e silenciou.
Pensei em afastar-me, mas perguntei se juntava muito material à noite. Ele repetiu cismado: me chamou de cupincha. Tentei descrever a palavra; seria companheiro?
Ele riu com alguns dentes à mostra. Depois, se aproximou, o que me produziu algum receio. Confidenciou que um camarada o mandou levar drogas até determinado lugar, mas não aceitara. Só vivia de sua cachaça e não queria se sujar. Entendi que "se sujar", em sua linguagem, era tornar-se um criminoso. Concordei que não devia se envolver com drogas. Ele deu uma gargalhada e me abandonou de vez, como se entrasse num mundo paralelo, do qual eu não fazia o menor sentido.
Fiquei alguns minutos observando o arvoredo da avenida, as poucas pessoas que passavam, o veraneio que agonizava bonito como o abandono dos pássaros na maciez dos ninhos.
Afastei-me e pensei na ética humana. Aquele homem podia não ter nada, nem esperança, nem saúde, nem importância para os transeuntes, mas tinha ética. Mesmo que tudo fossem devaneios, não importa, ali estava incrustada a ética em suas convicções mais profundas. Ética não é para todos.
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