Aquela noite, Fernando não conseguira dormir. O plano de Alfredo era coisa de amador. Afinal, sequestrar o pai para que tivesse tempo de provar que a mãe era uma mulher lúcida e capaz de decidir sobre o seu patrimônio, era uma coisa absurda, a não ser que ele tivesse outros planos na cabeça. Talvez ele quisesse se livrar do velho para sempre. E se tudo desse errado? O Sr. Sandoval anda sempre acompanhado de seguranças, além de ser um homem esperto. Talvez o próprio Alfredo tenha uma maneira de deixá-lo sozinho para que ele o capturasse. E depois? O que aconteceria depois? Ele teria de sumir do país e como faria, sendo um homem em liberdade condicional.
Não podia fazer aquilo, era muito perigoso e se descobrissem ele não teria chances de se defender. Procuraria Alfredo e diria isso a ele. Procurou o número no celular e ligou para Alfredo pedindo que viesse procurá-lo. Teria que resolver esse problema ainda esta noite, não poderia continuar com aquela preocupação.
De repente, Fernando ouve um ruído, como se houvesse alguém na casa. Apaga a luz do quarto, ficando apenas com uma pequena luminosidade do celular. Desliga-o por fim e fica na penumbra, ouvindo passos que se aproximam. Procura rapidamente a arma sob o travesseiro, engatilha-a e fica à espreita. Pergunta quem está ali, mas não obtém resposta.
Afasta-se para um canto do quarto e se esconde próximo ao guarda-roupa.
Neste momento, percebe um homem na penumbra do corredor, que passa muito rápido, só iluminado pelas luzes oriundas da janela.
Corre para o outro lado, aproximando-se da porta. Grita com raiva, querendo saber quem está na sua casa e o que pretende.
Nisto, um tiro o atinge no ombro, fazendo-o cambalear, mesmo assim, atira na direção da figura que surgira de súbito na porta. Entretanto, a pessoa parece muito ágil e conhecedora do que está praticando, pois atira mais uma vez, num disparo definitivo. Em seguida, afasta-se na direção do corredor que conduz à porta.
Fernando, por sua vez dá vários disparos, mas sente-se cada vez mais fraco, tombando no chão. Não percebera que um tiro o atingira no peito e desesperado, arrasta-se com as últimas forças que possui para a sala ao lado. Perecebe que agira errado, deixando o celular no quarto e não podendo pedir socorro.
Algum tempo depois, Alfredo chega na casa de Fernando. Observa que a porta da frente está entreaberta e imagina que ele prefere que seja discreto, provavelmente temendo que a vizinhança pense que ele tem alguma relação afetiva com ele. É um idiota, pensa. Será que nos dias atuais, alguém está preocupado com quem chega na casa dos vizinhos, logo ele, um homem discreto e consciente de sua posição na sociedade. Mas como lidar com um matuto como aquele, que embora tenha tido uma educação acadêmica, não havia evoluído em sua mentalidade.
Alfredo empurra a porta devagar e chama por Fernando. Não obtem resposta e fica um pouco assustado. Afinal de contas, ele é um homem que tem muitos inimigos, que matou um colega de trabalho, não é uma pessoa confiável. Talvez não devesse ter se envolvido com ele, mas agora era tarde demais. Já fizera a proposta e não havia como recusar.
Chama mais um vez e decide ligar o interruptor, iluminando o corredor que desemboca na sala e nos quartos.
Dá alguns passos e observa Fernando estirado com a cabeça encostada no pé de uma poltrona.
Apavorado, percebe que um filete de sangue escorre da boca do rapaz e seus olhos estão abertos como se estivesse morto.
Para certificar-se, aproxima-se e abaixando-se ao seu lado, examina a carótida, percebe que é tarde demais. Fernando está morto.
Levanta-se num salto, as pernas tremem e suas mãos parecem não obedecer os gestos, paralisadas.
Encosta-se na parede e fica ali, sem saber o que fazer, quando ouve passos que se aproximam.
Tenta esconder-se, deve ser a pessoa que o matou que voltou para asseverar-se de que o homem estava realmente morto ou pretendia outra coisa.
Para sua surpresa, entretanto, é a voz indignada de Letícia que ouve:
– Alfredo, o que você fez?
Alfredo tenta responder, mas o maxilar parece ajustado de modo a não se mover, tal o bater de dentes como se um frio extremo o atingisse.
Observa que Tavinho também está ao lado da irmã e sem entender o que está acontecendo, reúne todas as forças que possui para defender-se:
– Eu não fiz nada, está louca! Cheguei aqui e o encontrei assim, caído. O cara está muito ferido.
Tavinho se aproxima do corpo e exclama, apavorado:
– Ferido não! Ele está morto, mortinho da silva. Quem foi que o matou?
Alfredo precisa explicar por que está ali, naquele momento, mas apenas se defende, porque na verdade, não tem o que dizer, não sabe o que aconteceu, quem matou Fernando. Como defesa, também os questiona, agora mais seguro, através do poder adrenalina.
– E vou saber? Mas e vocês, o que fazem aqui?
Letícia responde, exasperada:
– Viemos conversar com ele, a pedido de mamãe.
– Mas agora, o que vai acontecer? Este cara foi assassinado há pouco, tenho certeza. Ele me ligou, pediu que eu viesse, pois queria acertar umas coisas, um negócio que estávamos fazendo.
– Um negócio? Desde quando você tem negócios com o jardineiro? A menos, que seus interesses fossem outros. - responde com ironia.
– O que você está imaginando, Letícia? Acha que eu vim aqui para transar com o cara?
Tavinho intervém, muito nervoso:
– Pessoal, vamos parar com esta briga idiota. Precisamos sair daqui, não podemos ficar nem mais um minuto. Não se esqueça Alfredo, as suas digitais estão no morto. A polícia pode pensar que você o matou.
– Nós os três, porque vocês tocaram em portas, maçanetas. – Responde Alfredo, alterado.
Letícia, percebendo a situação de perigo em que se encontra, grita em verdadeiro pânico:
– Tavinho, faça alguma coisa. De uma limpada por aí. Eu não quero me envolver nisso. Sou uma promotora, meu Deus, só faltava essa.
Tavinho concorda e começa a circular pela sala, em redor do morto e dos objetos que presumivelmente foram tocados, usando um lenço de papel.
– Então vamos limpar tudo. Você Alfredo, procure álcool na cozinha, na despensa ou seja onde for e limpe onde você tocou no cara, sei lá, tire as suas digitais.
Alfredo fica em silêncio, pensativo, sem mover-se. Letícia pergunta, indignada:
– Você quer que a polícia chegue, quem sabe algum vizinho já chamou a polícia, vai ficar aí pensando em vez de procurar fazer o que o Tavinho falou?
– E se nos livrássemos do corpo? – pergunta Alfredo.
– Como assim? Se você não tem nada a ver com isso, pra que se livrar do corpo?
– Porque tem as minhas digitais, Letícia, eu o examinei, peguei a arma que ele tem por perto. Pensei que havia se suicidado.
– Você é um idiota, mesmo! E o que você queria com ele?
– O mesmo que vocês. Eu descobri umas coisas relacionadas ao nosso pai.
– E o qual era o seu plano?
Tavinho os interrompe, alarmado:
– Pessoal, vamos limpar os vestígios rapidamente e dar o fora daqui. Esqueceram que quem o matou, pode voltar a qualquer momento?
– É verdade e o desgraçado por estar por aí e se é uma vingança, pode pensar que temos algum envolvimento com ele. – Responde Letícia. Em seguida, observa Alfredo que parece enxugar uma lágrima e acena a cabeça com censura. Acredita que tem razão ao pensar que o irmão tinha algum interesse no jardineiro. Não se contendo, pergunta, irônica:
– Parece que você sentiu muito a morte do coitado. Está aí enxugando as lágrimas.
– Não pense besteiras, Letícia. Não vê que perdiu uma lente, e estou incomodado com isso. Mas não se preocupe, desde que estava no carro, tinha este desconforto nos olhos. Deve ter sido lá.
Ela não responde, mas não acredita em nenhuma de suas palavras.
Em seguida, após fazerem o combinado, os três saem da casa de Alfredo e afastam-se de imediato em direção aos seus carros.
No prédio da frente, a luz de uma janela se apaga e pode-se avistar apenas a chama de um cigarro.
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