Capítulo 6
Seu Domingues caminhava devagar, passos miúdos, quase estudados. Olhar absorto, absorvido no nada, quase infinito. Quase falando, quase sorrindo, quase vivendo. Sobreviver? Era esta a ideia? Pois estava ali para ultrapassar os parcos limites de sua existência. Ouvia vozes, sorrisos de crianças, farfalhar de folhas. Outono? Talvez. Ou qualquer estação que trouxesse um pouco de vida, aliada ao sol forte que lhe ardia a testa. Meio dia. Sol a pino. Quem sabe verão? Não. Impossível. Aquele friozinho que já lhe arrepiava os pelos dos braços. Outono chegava. Prenúncio de inverno. Forte, de geada. Crepusculando o mundo soturno do frio. Decadência.
Sentou no banco da praça como fazia há quinze anos. Veria por acaso as mesmas pessoas, os mesmos velhos solitários como ele, ali, a jogar dama, espiar as pernas das moças inatingíveis, bisbilhotar a vida alheia. Vida intensa que segue. Pipocar um sorriso aqui, uma lágrima ali, uma vontade de nada, de não saber o quê.
Hoje não havia ninguém conhecido. Nem mesmo para dar a notícia fatal de algum amigo que já partira, como muitos. Agora estava realmente só.
Ele ficou assim, não sabe quanto tempo. Uma hora, duas, três. Uma eternidade. Até que o inusitado aconteceu.
Uma bicicleta do outro lado da rua. Uma moça bonita, da loja de conveniências. Marília.
Ela aproximou-se, naquele jeito fagueiro, atitude de quem tem a vida pela frente. Chegou célere. Sentou-se num pulo, ao seu lado. Sorriu. Uma lufada de vida, de ar, de dignidade. Encheu os pulmões, o coração. Sorriu também.
— O senhor não acha melhor voltar para a loja?
— Por que Marília? Está tão bom aqui. Veja este sol. Pelo menos um alento, para um velho como eu.
— Lá o senhor pode ler o seu jornal, tomar o seu café bem quente. Aqui está muito frio.
— Você acha Marília? Aqui, pelo menos, eu posso ficar um pouco sozinho.
— Então quer dizer que não gosta de nossa companhia?
— Não, Marília, é que chega um momento de nossa vida, que às vezes preferimos ficar sozinhos. Nada acontece, entende?
—Pois vou lhe contar uma novidade.
Ele a olhou intrigado, como se nada significasse alguma novidade para ele. Entretanto, ouviu-a com paciência.
— O senhor sabia que chegou um detetive na cidade?
— Um detetive? O que vai descobrir neste fim de mundo?
— Talvez alguém o tenha contratado. Ocorreram uns crimes por aqui, não foi?
— Eu não acredito nisso, Marília. E depois, tudo já foi solucionado e o que não foi, não descobrirão nunca.
— Por que o senhor pensa isso?
Calou-se por um momento. Refletiu e acrescentou meio displicente com o assunto.
— Não sei, deve ser porque já vivi demais e sei que nada acontece por acaso.
— Não entendi nada, Seu Domingues. Mas não importa, vou indo, porque tenho que pegar o meu filho na escolinha pra voltar à tarde pra loja. Um bom dia pra o senhor!
— Bom dia Marília.
Ele continuou sentado, com os olhos mais fixos do nunca no mais obscuro de sua mente. Parecia que as coisas ficavam de certo modo atordoadas e o incomodavam.
Quem seria aquele detetive? Quem o teria chamado? Por que Marília sempre lhe trazia uma novidade que não lhe dizia respeito.
Deixou-se ficar por um tempo e sentiu um olhar pesado em suas costas. Voltou-se e percebeu que Rosa continuava parada na porta do hotel. Pensou, não tem o que fazer mesmo, um hotel vagabundo, uma cidade que não acontece nada e uma gente desocupada!
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